O motivo da procura pelos umbus
Gostaria de compartir (não sei se existe essa palavra em português, porém penso que é uma palavra bela em espanhol e a utilizo aqui), com meus amigos, um fato que me aconteceu hoje.
Depois que eu quase perdi tudo na minha vida e quase perdi a vida, tornei-me mais ainda um escrevinhador (tropeçando na escrita, na sintaxe e na gramática, como um ébrio de Vicente Celestino). Fui chamado a ser escrevinhador como foram chamados Conceição Evaristo, Carolina de Jesus, Maria Firmina dos Reis, Lima Barreto, Luís Fulano de Tal e tantos outros, que vão derramando letras pelos papéis, tempos, amores, pensamentos e dores da vida.
Estou escrevendo meu relatório de pós-doutorado, levanto-me cedo (na minha concepção de cedo), no entanto bem antes do horário comercial (que julgo que se faz a partir das 9 horas da manhã) e começo minhas atividades no computador.
Às 9 horas da manhã eu preciso me levantar da cadeira e andar um pouco. Ando um pouco pelo bairro, com a minha companheira de algum tempo, a bengala, que Mario Quintana diz que faz a rua ficar com tosse, devido ao seu sonzinho batendo nos calçamentos.
Nessas andanças tiro bastante fotos e já fiz muitos amigos: os vendedores da barraquinha de frutas, da banca de revista, farmácia, da livraria sebo, das lojas de roupas, de bugigangas, de sapatos, de quitandas. Saúdo os garçons, as senhoras que varrem a rua perto da minha casa, alguns moradores de rua, trabalhadores de estacionamentos, seguranças, cabeleireiros, porteiros de edifícios e alguns mecânicos de oficinas daqui de perto.
Não preciso dizer que a maioria com os quais converso são do nordeste, como eu sou. Não gosto de falar nordeste sem mencionar o nome do estado, essa região tem nove estados, como se não bastasse cada estado ser diferente um do outro, em cada estado há muitas diferenças também entre suas regiões. No entanto, como sou da Bahia, registro que há pessoas de vários outros estados, inclusive do sudeste, do sul, do norte, do centro-oeste e do próprio interior do estado de São Paulo. Isso sem falar nos estrangeiros e seus descendentes. O convívio se dá, de igual forma, com bolivianos, chineses, japoneses e por aí vai.
Vamos ao que interessa: Tenho escrito um texto discorrendo sobre um baiano perambulando pelas ruas da zona leste de São Paulo, desde o Itaim Paulista, pela Avenida São Miguel, nas casas do Norte, procurando umbu. E vou imaginando os acontecimentos que vão ocorrendo. Porém, até agora não sabia o motivo desse personagem estar tão fissurado em umbu. Hoje achei o motivo.
Conversando com um mecânico que nasceu no nordeste, não perguntei ainda em qual estado (talvez eu já esteja absorvendo um pouco a visão globalizante da região que grassa aqui no sudeste), ele contou a mim e a seu colega que, dos dezoito filhos que vieram ao mundo por meio de seus pais, ele foi um que nasceu debaixo de um pé de umbu. Sua mãe deu à luz com tamanha rapidez que não houve tempo nem de chegar em casa para ele vir ao mundo numa cama. Eu perguntei para ele se o pé de umbu, embaixo do qual nasceu, dava umbus doces, azedos ou meio termo e ele me respondeu que era um pé que dava todo tipo de umbu. É um arbusto tão complexo quanto a vida.
Pronto, encontrei o motivo para meu personagem precisar tanto de umbu. Ele nascera debaixo de um umbuzeiro e, portanto, essa é a saga de um baiano para encontrar a fruta produzida pela árvore que lhe abrigou ao nascer. Depois perguntei qual o estado no qual nasceu o mecânico e ele me disse que é natural do estado de Alagoas.
Rodison Roberto Santos
São Paulo, 25 de abril de 2022