A Gata do Castelo
Pela porta entre aberta, ela assistia sua mãe esvaindo-se em sangue adormecer na morte. Enquanto sem saber, na inconfidência dos desejos da carne, seu pai confidenciava com o silencio a sua negociação com uma madrasta.
A dor da perda navega no pulsar da vida, entranha na pele da alma a dividir o rumo, a turvar os olhos dos sonhos, que pode levar a conhecer fases de uma depressão ou loucura.
Emocionalmente perdidos, somos impelidos a caminhar, porque como o relógio, o tempo não pára e a gente precisa continuar. Assim, sem muitas perspectivas, mas com forte presença espiritual, as vezes, como foi o caso, se consegue após a turbulência um certo equilíbrio. E com certeza, como poucas, apesar dos martírios emocionais, da sua saude fragilizada e do caos social, nessa selva, nomeada de cidade. Com resiliência, abnegação, capricho e determinação ela conseguiu sair do chão. Dando outra versão, pra admiração.
No compasso da adolescência, onde reside as mais perigosa águas, ela com os seus três irmãos se via vivendo com seu pai e a madrasta, que jamais foi sua amiga. A meditar uma responsabilidade, que a sua irmã mais velha não vislumbrava.
Feito gata borralheira, tinha que fazer, cuidar, aceitar as imposições e migalhas, que a ela e seus irmãos a madrasta, talvez por ignorância ditava. Enquanto o pai, como muitos, que se tornam pai, sem a devida consciência do que é uma família, do que é ser companheiro, do que é ter filhos e de como cuida-los. Aceitando apenas a conveniência dos prazeres, que a sociedade hipócrita dita como moda. Seguia a risca o estereótipo de pouco se importar. Levantava pela manhã sem querer se quer ouvir ou aceitar qualquer argumento, oriundo da filha do meio.
Nos algozes do silêncio do quarto, ela se apegava ao que conhecia... fazia suas orações pedindo forças aos dias e dias. Enquanto sua irmã não reclamava para não se indispor e assim seguia.
De hora em hora, se espera a melhora, que parecia nunca vir. A madrasta chegava ao ponto de intervir na compra de simples materiais de cunho pessoais, para mante a sua vaidade. E quando levado ao conhecimento do pai, ele fazia pouco caso e ainda as tratava com grosseria.
Tu nem eras Maria, mas mesmo sob pranto, humilhações e desencantos, aos poucos assistindo a sua madrasta um a um, ter os seus próprios filhos e cada dia mais relega-los ou excluí-los. Conjuminado as atitudes do pai, que não os apoiava, pediu pra sair. E foram levados a casa de sua avó, que a troncos e barrancos, num calvário de dificuldades, já tendo no histórico, criar filhos que eram só do seu marido, os criou.
Sob a ânsia de contribuir, sabias bem onde estava os teus pés e por ai, começastes a remar.
Entrastes na Faculdade, arrumaste um emprego numa loja de um shopping da cidade, que te colocou como gerente, a explorar a tua capacidade...de atendente, estoquista a gerente, esse era o teu dia a dia até a noite ir pra faculdade.
Sem ninguém pra dividir conheceste um rapaz na flor da idade, que se não te ajudou, só atravancou mais as tuas necessidades.
De certo, que conseguistes ir trabalhar num banco, criando uma certa estabilidade, comprou o teu carro, comprou tua casa, aos poucos mobilhando e começou a escalada. Ajudando a tua irmã mais velha, agora com uma filha, ajudando a tua irmã mais nova e o teu irmão casula.
Sem muito pão, mas com muito espirito foste te constituindo, apesar do coração aflito, apesar dos desmandos dos grifos, enfim tu tiveste no colo das muitas solidões a luz, que hoje é o teu segundo rito. A filha, das várias filhas, de uma família, que ainda hoje sonhas.
Mas foi assim, que construíste um castelo, onde resides. Deste norte a irmã mais velha, tomaste pra ti a filha dela, formaste tua irmã e teu irmão, ajudaste no emprego de cada um e como nunca ajudaste aquela, tua avó paterna, que sempre te deu colo e a mão.
No auge das portas abertas, ainda deste guarida ao teu pai, como uma noiva, que a nova mulher dele, quando do casamento, não ouviu dizer na saude e na doença... que tu como filhas, apesar do passado, da arrogância do vaso o faz com ternura e não como favor.
Sim senhor, excluídas as dores do amor, que ainda, em berço balança, podemos ver essa tua pujança em se ajoelhar ou erguer as mãos para os céus pra agradecer, antes de fechar os olhos, pelas flores, que iluminam a vossa humilde casa.
Se você não é uma princesa, dos contos das estradas, quem sabe a realeza não a reconheça como uma dessas deusas da lida diária.