O surubim de Siqueira

Barreiras era pequena quando conheci o meu amigo Siqueira, no início da década de 80. Talvez um pouco maior que Poções de hoje, antes de tornar a capital da soja.

Ele foi o representante da empresa que trabalhamos e, muitas vezes, viajamos juntos pelos “gerais”. Ex-militar do 4º Batalhão de Engenharia e Construções, passou um bom tempo lotado no órgão trabalhando como civil e não perdia a oportunidade de prestar continência quando cruzava com qualquer militar da ativa. É daqueles que chamamos de “caxias”. Grande sujeito, amigo, prestativo e atencioso. Tratava todo mundo de “coronel”.

Certa vez, programei uma viagem à região e disse que gostaria de comer filé de surubim. Fez questão de levar-me ao Hotel de Barreiras, que possuía a melhor cozinha da cidade e um amplo salão, inclusive com uma mesa de sinuca onde as pessoas jogavam enquanto aguardavam o preparo da comida.

E lá se foi o meu amigo Siqueira combinar com o garçom o pedido dos pratos. Éramos quatro e ficamos tomando cerveja e fazendo parceria na sinuca.

Marcelão Ferreira, na faixa dos cem quilos, roncava de fome e sonhava com o filé de surubim, famoso pelos seus 20x30cm.

O garçom trouxe mais uma cerveja e nos avisou que o jantar seria servido dentro de 10 minutos. Siqueira, preocupado, fiscalizava a mesa, os lugares e dizia:

“Vocês vão comer o melhor surubim da região, promessa é dívida!”

E chega a hora. Mesa posta, fomos nós.

Grande surpresa. No lugar de filé de surubim veio filé de boi. Siqueira partiu para o garçom e disse:

“O que é isso meu irmão? Você trocou os pratos, os caras vieram de longe pra comer surubim e você traz carne? Não posso admitir e você vai ter que fazer o surubim, logo! Leva tudo e rápido”.

Depois da bronca, o garçom se desculpa e Siqueira não aceita. Pegou os três pratos com o filé de boi e levou para a cozinha. Quando voltou para pegar o meu prato eu disse:

“Não. Desculpe, mas eu vou comer o filé. Não quero mais surubim”.

A briga de Siqueira agora era comigo. Tentava puxar o meu prato e não admitia a mudança naquela hora. Acalmei a fera e alertei que a bronca tinha sido tão dura e, de raiva, o garçom iria cuspir no surubim. Siqueira deu um pulo da cadeira e saiu correndo para a cozinha e berrava:

“Traga os pratos de volta, rápido, traga de volta para a mesa, nós mudamos de idéia. Todo mundo gosta de carne, aqui ninguém gosta de surubim”.

A cozinha inteira não entendia, o garçom continuou a nos servir com cara de desconfiado e em determinado momento, sem saber, não agüentou e desabafou:

“Desculpe Sr. Siqueira, mais acho que o senhor ficou maluco!”.

(Siqueira é Manoel Siqueira de Holanda. Ainda reside em Barreiras e se tornou um próspero empresário do comércio de peças para máquinas de terraplenagem. É sócio de dois amigos meus: Gabriel Barbosa e Alban Paiva).

Luiz Sangiovanni
Enviado por Luiz Sangiovanni em 05/01/2008
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