No céu tem peixe?
Odeio coincidências. Na verdade não as odeio, elas não existem. São correlações feitas pela mente na infinidade de fatos que nos deparamos diariamente. Em meio ao caos tentamos procurar alguma ordem. E a morte é uma coisa bem comum querendo ou não.
No romance que estou lendo esta semana e que agora repousa na cabeceira da minha cama enquanto escrevo, o gato do protagonista morre no começo da história... O meu morreu hoje cedo. Na ficção o bichano se esconde debaixo da estante um dia e no outro não acorda. Como diz o personagem, morreu sem saber que existia, do mesmo modo que fazia em vida. O gato do livro se chamava Sardinha, o daqui de casa chamava Espetinho.
Diferente do Sardinha que falece sozinho, acompanhei o Espeto quando se foi. Três tosses secas, uma tentativa de puxar o ar para os pulmões e então o silêncio. A íris amarela dos olhos continuava lá, porém sem brilho. As pupilas já não se dilatavam ou contraíam. As pálpebras mantinham-se inertes sustentando o olhar vazio. A boca aberta deixava à mostra os dentes brancos e pontiagudos.
Estava amanhecendo e o vento estava frio. Cobri-o com uma manta numa esperança que já não tinha de que se aquecesse, piscasse e ficasse de pé. Sentei no sofá esperando e acabei adormecendo. Acordei poucas horas depois e o cenário era o mesmo. O corpo já estava rígido. Enrolei-o na manta, coloquei outro pano preto em volta e o levei pra unidade de controle de zoonoses pra ser cremado.
Resta agora meio pacote de ração, a caixa de areia pra ser limpa pela última vez e o lugar vago ao lado do sofá onde ele costumava dormir durante o dia.