Entre Sem Bater - As Boas Leis

Montesquieu disse:

"... quando vou a um país não examino se há boas leis, mas se as que lá existem são executadas, pois boas leis há por toda parte ..."(1)

Já escrevi textos em que defendo as ideias de Montesquieu de forma incisiva. Em "Revisitando Montesquieu..."(2), coloco algumas frases que, certamente, são de autoria dele e, mesmo na tradução, são realidade em Pindorama. Suas frases tem reprodução ou adaptação em diversas culturas e através de pensadores de diversas tendências políticas e filosóficas.

BOAS LEIS

O Brasil é, inquestionavelmente, o paraíso das boas leis que "não pegam". Representantes do povo fazem proposição de leis de modo a atenderem seus interesses pessoais e atenderem as oligarquias. Assim sendo, é um verdadeiro despropósito ver o que acontece, principalmente nas redes sociais sobre projetos de lei.

Como resultado desta confusão mental que o eleitor vive, ele não sabe nem o que o seu representante faz. É provável que um trabalhador da área da saúde sufragou num parlamentar e este parlamentar defende a oligarquia da medicina. Os exemplos são muitos e envolvem alguns aspectos curiosos onde o eleitor não conhece nem os vereadores de sua cidade. Escrevi, anteriormente, sobre o que poderia ser a pior legislatura(1) da história da minha cidade. Destaquei a performance e comportamento de alguns quando, a princípio, era para eu fazer textos sobre todos eles. Entretanto, a situação mostrou-se muito pior do que eu preconizei e aqui estamos, com perspectivas bem piores.

Desse modo, se fizermos nosso trabalho, analogamente ao que escreveu Montesquieu, um caminho pode surgir. Devemos ver se em nossa cidade as boas leis têm aplicação ampla, geral e irrestrita, fiscalizar as atitudes dos edis. Depois, quando houver alguma lei que beneficie apenas uma fabricante de coxinhas(*), não poderemos reclamar.

AS LEIS

Em meio ao cenário complexo das sociedades urbanas, a estrutura legal de uma polis molda a identidade de seus habitantes. Conforme estudo de muitos especialistas, cada cidadão percebe questões de saúde, segurança, educação e outras a partir do seu bairro.  A premissa de que boas leis devem servir à maioria, e não a grupos privilegiados ou gangues está em vertigem. Este princípio fundamental para a construção de comunidades justas e igualitárias perde-se a cada vez que votamos.

A essência das leis urbanas não devem servir para atender aos interesses particulares e de alguns poucos. Certamente, que a maioria das leis não beneficiam a todos os interesses de toda a população. Contudo, as desigualdades de uma sociedade refletem nos valores e necessidades do conjunto da população.

Uma legislação justa não só garante os direitos individuais, mas também promove o bem comum e a coesão social.

Portanto, a seleção dos representantes que irão elaborar e aplicar essas leis não pode partir de critérios superficiais. O novo mundo digital proporciona o recrudescimento da popularidade ou recomendações pessoais como referência nas eleições. Ao contrário do que prevalecia anteriormente, os méritos tangíveis e compromissos com os valores democráticos, perderam-se.

Em suma, as narrativas das redes sociais prevalecem, há dez anos, nas eleições país afora, e não dá sinais de reversão.

CIDADÃOS ELEITORES

É provável que o Poder Legislativo Municipal(2) seja o mais importante espaço democrático do país. A cultura do brasileiro, e a história de politização dos cidadãos, por vários motivos, desvirtuou este pensamento.

Se os cidadãos consideram as leis como um reflexo genuíno de suas aspirações e ideais coletivos, as eleições seriam diferentes. Nas cidades, desde uma eleição de síndico e associação de bairro, a indiferença e egocentrismo predominam. Desse modo, todo e qualquer cidadão que se abstém do processo democrático deixa o espaço para déspotas e aproveitadores.

Assim sendo, ao invés de se engajarem e respeitarem as boas leis e as péssimas, passam a cometer ilícitos. Podemos, por exemplo, citar casos interessantes, que podem gerar textos específicos e polêmicos. Atividade de pirataria contra o próprio time de futebol que um cidadão é fã, já ouviu falar? Pois então, este cidadão pragueja contra o governo, chama vereadores de vagabundos, e vende produtos falsos de seu time.

Desse modo, ao invés de fortalecer o tecido social e promover um ambiente onde exista justiça e a igualdade, prospera a desigualdade. As eleições nos últimos anos mostraram absurdos como mulher votando em agressor sexista.

Será que o fim do mundo está muito próximo?

ELEIÇÕES 2024

A cada dois anos repetimos o ritual de escolher nossos representantes que, quiçá, farão boas leis para todos.

Desse modo, o processo de escolha dos representantes municipais não deveria partir da popularidade ou de influenciadores. Deveria ser, de fato, partir da capacidade de cada candidato em compreender e representar os interesses comunitários. Em outras palavras, deveríamos ter um processo eleitoral transparente e inclusivo, com avaliação de propostas, competências e compromissos com a justiça social.

Devemos, outrossim, reconhecer a importância de um sistema legal que promova a igualdade de oportunidades para a maioria. Estas boas leis devem proteger os direitos de todos, independentemente de sua origem étnica, gênero, orientação sexual ou condição socioeconômica. A verdadeira medida do sucesso de uma cidade não está na grandiosidade de seus monumentos ou na opulência de seus bairros das elites e subcelebridade. Deve, sem dúvida, se basear na capacidade de garantir uma vida digna e justa para todos os seus habitantes.

Devemos evitar que existam processos de burgueses x burgueses(3), defendendo interesses escusos.

Vamos às máquinas de votar!

MUTATIS MUTANDIS

Surpreendentemente, as pessoas perguntam para você, em qualquer debate político, para qual lado você torce. Num destes pseudodebates respondi que eu era humanista. Ato contínuo, um interlocutor disse: - você é azul ...

Estes absurdos revelam o baixo nível de discussão que as redes sociais proporcionam. E, como se não bastasse, obtém a adesão de todos os espectros políticos. Com toda a certeza, desde os extremos (esquerda e direita) e os em cima do muro, decidiram que política é na rede social.

Entendemos que as leis de uma cidade não devem ser estáticas, mas sim adaptáveis às mudanças sociais e à realidade local. Mutatis mutandis, às necessidades emergentes da população local mudam, até mesmo dentro de um bairro. Isso requer um sistema legal dinâmico, que seja capaz de responder às demandas da sociedade de forma ágil e eficaz. Os representantes municipais deveriam entender e desempenhar seu papel nesse contexto. Promover um diálogo constante com os cidadãos, e não somente às vésperas das eleições é necessário.

Deveriam, desta maneira, estarem abertos a sugestões e críticas construtivas, mesmo que não sejam de seus eleitores.

Em síntese, as boas leis são aquelas que refletem os valores e aspirações de uma comunidade em sua diversidade. Devem promover a justiça, a igualdade e o bem-estar de todos os seus cidadãos, eleitores ou não. Para alcançar esse objetivo, é essencial que estes edis empenhem-se em servir ao interesse público acima de interesses particulares.

A maioria dos leitores, que chegaram até este ponto do texto, certamente, dirão: É isso mesmo ! Entretanto, a questão não é concordar ou discordar com Montesquieu e a transposição da ideia dele para uma cidade. O problema é o quê cada um pensa em fazer para que a ideia vire prática. Só ir votar, por obrigação, não muda nada.

"Amanhã tem mais ..."

P. S.

(*) Somente aqueles com maior politização, e que residem em Belo Horizonte, conhecem a história do "Léo Burguês".

(1) "Entre Sem Bater - Montesquieu - As Boas Leis" em https://evandrooliveira.pro.br/wp/2024/04/11/entre-sem-bater-montesquieu-boas-leis/

(2) "Revisitando Montesquieu no Século XXI" em https://evandrooliveira.pro.br/wp/2016/06/21/revisitando-montesquieu-no-seculo-xxi/

(3) "Legislativo Municipal - Mais do Mesmo" em https://evandrooliveira.pro.br/wp/2021/01/02/legislativo-municipal-mais-do-mesmo/

(4) "Burguês x Burguês - Nós não Merecemos!" em https://evandrooliveira.pro.br/wp/2023/02/10/burgues-x-burgues-nos-nao-merecemos/