MENINOS MALUQUINHOS

Morei um bom tempo no bairro Serra, em Belo Horizonte, quando os filhos eram menores, e fomos muito felizes lá. Bons vizinhos, comércio pertinho, vias de fácil acesso e nenhum problema de segurança. Mas agora acabei de saber, lendo uma antiga reportagem do Estado de Minas, que uma quadrilha de ladrões tirou o sossego do bairro há exatamente 91 anos, ou seja, no longínquo 1932, quando as casas dominavam a paisagem, com seus jardins e abrigo de animais.

Vários moradores foram vítimas do bando que, naquela época, certamente não furtavam motos nem celulares. Furtavam, isto sim, galinhas. Cada dia, numa casa. Depois das primeiras ocorrências, a Delegacia de Furtos ainda demorou dois meses para solucionar o caso e devolver a paz aos galinheiros da região. Mais tempo que a recaptura dos fugitivos da Penitenciária de Mossoró.

Mas o que causou surpresa mesmo foi a identificação dos “marginais”. Meninos, todos eles. Quatorze pirralhos que, armados de estilingue, furtavam as “penosas” para vendê-las e, com o dinheiro nas mãos, comprar balas e bilhetes de cinema. A farra durou quase todo o segundo semestre de 1932.

O caso me chamou a atenção também porque, coincidentemente, em outubro daquele ano nascia em Caratinga Ziraldo Alves Pinto. Mineiro da gema, o multitalentoso escritor e cartunista faleceu há pouco, deixando um vazio impreenchível em nossos corações e uma vasta obra no campo da literatura e das artes gráficas.

Parece até que a história do Menino Maluquinho foi inspirada nas peraltices dos moleques que tiraram o sossego do bairro. Nascido na mesma época, o seu autor, além do sugestivo sobrenome, pode ter recebido, desde então, os eflúvios do episódio. E eu, atrevido, tomo a liberdade de nominar esta crônica na mesma linha. Espero que, lá no descanso eterno, Ziraldo me perdoe.

De qualquer forma, não deixa de ser reconfortante saber que já houve uma época em que a grande notícia no mundo do crime, digna de ganhar as páginas policiais, envolvia uma quadrilha de delinquentes mirins, reincidente nos assaltos aos galinheiros da vizinhança.

Até me deu vontade de, para ocupar meu tempo de aposentado, voltar a morar no bairro Serra, numa casa com galinheiro.

Mas – que pena! – esses tempos não voltam mais.

Pereirinha
Enviado por Pereirinha em 09/04/2024
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