"É tão mágico ver como as pessoas se vestem de alegria em dias de festa. É como se naquelas horas, no máximo seis, suas histórias fossem suspensas, temporariamente e, cada um, respirasse somente ares de felicidade."

 

(... com pequenas exceções, claro!)

 

Não se comemora "Bodas de Ouro" todos os dias. Há exatos 50 anos, na mesma data e horário, Adão e Lúcia diziam o tão sonhado sim e, partiam para outra cidade afim de constituir uma família.

 

- Numerosa! -  dizia Adão. Pois, para ele, onde um come, dez comem. O otimismo parecia lhe fazer cócegas. O riso vinha solto ao falar da prole que tanto desejava. O risco de insucesso nunca lhe passou pela cabeça. Cria que a própria natureza faria a seleção natural. E assim, iniciaram a vida matrimonial.

 

No meio do salão, um enorme lustre fazia o papel de anfitrião. Foi um pedido de Lúcia. Queria trazer para a sala os cristais da cristaleira deixada pela vó Marina. Entre as lâmpadas que o compunham estavam pequenas molduras, penduradas por fios dourados que lembravam o puro ouro, mais pela cor. Naquelas molduras haviam rostos, diversos, que numa linha do tempo, estampavam uma cronologia da vida. É engraçado como as fotos de família nos dão uma sensação de pertencimento. vi-me, não poucas vezes, naquele histórico. Parece que a vida se repete... 

 

Bem no canto, estava a árvore de cerejeira formosa cujas flores e galhos retratavam a genealogia. Orgulhoso, Adão se posicionava diante dela como quem fosse o semeador (e no fundo era), pois no topo estavam estampadas as suas faces, pintadas à mão, como se Deus os tivesse desenhado num belo projeto arquitetônico e estrutural.

 

O bolo era "fake". Os novos tempos exigem uma nova compreensão das coisas. Tudo era "saudável" já que tanto Adão quanto Lúcia faziam dieta para prevenir a ateroesclerose coronária, herança de família, a qual, até os mais jovens já apresentam sintomas "gatilhos" como é o caso do triglicérides alto. Ao ser perguntado sobre a mesa do momento, sábio, disse Adão:

 

- Apesar do gosto amargo dos doces, eles estão bonitos, coloridos, vivos. E não é que envelhecer é um isso? Aprender a conviver com os "xilitols", inevitáveis.

 

De repente, uma música começa a tocar e Adão, sem disfarçar a emoção, e na simplicidade que o habitava, saiu arrastando Lúcia para o salão de danças. Desde cedo ficaram conhecidos na cidade como o casal "pé de valsa". E enquanto a canção tocava, eles pareciam voar, na leveza e delicadeza dos passos, nos toques sutis, nos desalinho aprumado, no íntimo olhar e no suspiro ofegante do cansaço (resultado do septuagésimo aniversário de ambos).

(...)

 

Adão, assanhado por um close, agarra o microfone da banda e sem nenhuma vergonha da exposição, transborda sua euforia:

 

- Lúcia, quero que saiba que apesar de comemorarmos as Bodas de Ouro por causa dos 50 anos que você me suporta, a única joia que tive na vida foi você...

 

A plateia feliz com a espontaneidade de Adão o aplaude, fortemente.

 

Mas, Lúcia, desaforada qual é, levantou-se da cadeira, assumindo o microfone:

 

- Mas vai gostar de gracinha assim, lá na Pescaria, Adão. Fica fazendo bonito na frente dos outros. Quero ver fazer isso na hora de cuidar das galinhas, sem resmungar.

 

E a risada foi inevitável (com respeito).

 

Erguia-se, naquele momento, a maior herança daquela família: a "humana normalidade". (Cruelmente assassinada pela vida fácil que só existe nas redes sociais.)

 

- Sim, não existe família perfeita. Mas que cada um, "suporte" (dê suporte) a sua.

 

Boa sorte!

 

 

 

 

 

Mônica Cordeiro
Enviado por Mônica Cordeiro em 09/04/2024
Reeditado em 09/04/2024
Código do texto: T8037890
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