Primeiras preocupações

          O ano novo mal começou e eu já recebi os primeiros carnês. São as primeiras preocupações de 2008.

          Fizera uma jura de só visitar o meu escaninho de correspondências após o carnaval, ou seja, em meados de fevereiro. A folia este ano é mais cedo. Para alegria dos que querem se livrarem, o quanto antes, do rei Momo. Eu, inclusive.

          Mas o porteiro do meu prédio, ignorando minha jura, avisou-me que o carnê do IPTU acabara de chegar. 
          E sem pestanejar, adiantou que a primeira prestação venceria em tal dia.

          Agradeci-lhe a gentileza. Mas não deixei de, em pensamento, mandá-lo para a p... que o pariu. 
          Perspicaz, ele leu no meu semblante que eu não ficara nada satisfeito com a "atenção" que ele me havia dispensado.

          Continuei decidido a não procurar o meu escaninho. 
           Novamente o meu diligente porteiro entrou em cena: entregou-me o carnê do plano de saúde, que pago com enorme sacrifício. E fazendo esta observação: " O senhor pode precisar do plano a qualquer momento."

          Fiquei irado.  
          Imediatamente fui interpelado pelo eficiente João Ceará, que se mostrou atônito ao ver-me furibundo. Quis saber o motivo de tão grande e repentina raiva.

          No primeiro instante, fiquei em dúvida se valia explicar-lhe o porquê da minha ostensiva e incontrolável  insatisfação. 
          Achava que, dificilmente, ele iria entender por que um cara que tem à sua disposição um baita de um plano de saúde particular tornou-se raivoso só em olhar pro carnê de pagamento do necessário benefício.

          Com rapidez, conclui que ele merecia uma explicação. Até porque, permanecia boquiaberto, apesar de ter eu tentado relaxá-lo, com uma sonora gargalhada.
          Ele percebera que minha gargalhada não trazia a espontaneidade das boas e sadias risadas.

          Fiz-lhe ver, que meu plano de saúde era um bom plano, mas muito caro. E que a mensalidade tornava-se exorbitante à proporção que minha idade avançava, aproximando-me  cada vez mais dos consultórios, laboratórios e hospitais.
 
          Pelo andar da carruagem, assegurei-lhe, logo chegaria o dia em que eu seria mais um cliente do SUS, ante a impossibilidade de continuar pagando um plano de saúde particular.

          Meu porteiro ouviu minha explicação em silêncio. 
          Mas quando lhe falei do SUS, ele fez o Sinal-da-cruz. Vi seus olhos nadando em discretas lágrimas...

          Quase soluçando, ele me disse: "SUS, doutor, nunca!!! Venda sua cueca; fique nu, mas não desista, jamais, do seu plano particular de saúde."
          E confessou-me, que um  parente seu, muito próximo e mui querido, em maio de 2007, morrera numa enfermaria de um hospital público porque o SUS, na hora H, falhara.

          Concordei com ele. Mas lhe fiz este reparo: bem que você podia ter deixado para me mostrar o carnê do plano de saúde depois do carnaval.
          E com muita convicção, afirmei: na véspera do carnaval, ninguém adoece; ninguém morre... Se comigo acontecer o contrário, o azar foi meu...
          João escutou tudo, e rezou por mim...

Felipe Jucá
Enviado por Felipe Jucá em 05/01/2008
Reeditado em 12/02/2008
Código do texto: T803712