Uma noite de São João
Naquela sexta-feira, era dia de São João. O céu estrelado combinava com a as bandeirinhas de papel seda, balões, paus de sebo, fogueiras, brincadeiras de adivinhações e comidas típicas do período, enfeitiçando varias ruas e quintais, sob a aquiescência das mais diversas indumentárias e músicas.
O momento era especial, da quadra junina e que após tantos ensaios com a vassoura e com seus pares aconteceria à quadrilha da tia Margarida. Uma senhora muito espirituosa e bastante alegre, espécie de governanta da casa daquele sargento da Aeronáutica, Pai de Dênis e Débora, que moravam numa casa de alvenaria, conhecido nos idos da década de 70, como bangalô, bem ao pegado da casa da dona Mosa.
A quadrilha de São João, embora não fosse uma grande coisa, apenas uma festa de época, pra um menino, que morava num beco, filho de mãe pobre, que tinha a humildade e a juventude significava muito; era como dançar num palco de teatros famosos.
A mãe, operária da antiga fábrica, uma empresa de fornecimento de tabaco, conhecida na cidade como Tabaqueira, localizada na Doca, a Visconde de Souza Franco, hoje uma das tantas extra- farmas, apesar de não poder participar do evento que seu filho iria congregar, porque estaria fazendo uma prova do projeto Minerva - um curso do governo federal voltado à Educação de adultos, estava contente ao ver seu filho feliz. Afinal não era todos os dias, que um pobre era estrela, mesmo por uns segundos.
Todo vestido, com a sua camisa vermelha quadriculada, chapéu de palha, sua calça caqui com remendos fixados por sua avó Wilse, sob um toque final, de uma barba e um bigode rascunhado em carvão naquele rosto elétrico do garoto, que se despediu de sua mãe e avó e saiu pelas ruas do beco pulando de alegria até encontrar a rua Almirante Wandenkolk e caminhar alguns minutos em direção a Jeronimo Pimentel.
Ao passar em frente a casa de dona Mosa, onde ainda ardia uma pequena fogueira, deparou com Dênis e Débora, que lhes fecharam a passagem. E quanto mais o menino insistia em entrar, mais os dois lhes impediam a entrada.
Até que o menino falou:
- Pôxa, parem com isso. Vamos entrar, a quadrilha já vai começar.
Nesse interim Dênis maquiavelicamente falou:
- Entrar?!... Quadrilha?!... E vociferando risos sarcásticos continuou:
- Aqui não entra pobre. Pode ir embora pra tua casa. Cai fora comedor de carne em conserva.
Enquanto Débora completava:
- Cai fora mesmo, não gostamos dos meninos sujos desse beco.
O menino, cabisbaixo, levantou a cabeça e olhando naqueles olhos azuis, que o proibia e discriminava, sob as vestes de uma brisa fria, que corria a rua naquele instante, compreendeu as palavras, que o feriram e sem dizer nada, virou as costa para seus agressores e voltou caminhando arrasadamente pra sua residência, com a garganta apertada, a sufocar-lhe a alma, enquanto os olhos marejavam de lágrima.
Na entrada do beco, pela Wandenkolk ele tomou um impulso e correu em desespero até a sua casa, onde encontrou guarida no colo da sua avozinha.
Em prantos, ouvindo longe a musica tocar nos vários cantos estimulado pela dor da humilhação continuou a chorar.
Sua avó deu-lhe água com açúcar e sua mãezinha, que acabara de chegar, o fez na rede deitar, ouvindo ternamente a queixa do menino, para o acalmar começou a contar história até ele cair no sono e esquecer aquela hora.
No dia seguinte sua mãe falou:
- Meu filho vou falar com a Margarida sobre esse incidente cruel. Assim não pode ficar.
Que o menino com o seu olhar sereno, após uma noite de sono disse:
- Não mãezinha, deixe isso pra lá. O Importante é a gente recomeçar. Não vamos começar uma guerra. Eles lá e nós aqui. Porque o sol nasce sobre todos.