23 anos
Vó, onde quer que você esteja, eu terei para sempre 23 anos. E serei para sempre aquela menina muito magra e de cabelos amarrados e cheia de inseguranças. Sim, apesar da idade, uma menina, ainda tão inocente e cheia de fé. E como sempre, você estava certa vó. Eu realmente estava muito apaixonada e começando a namorar, mas ainda não queria contar nada para ninguém. E até de você eu escondi. Mas você sabia. Talvez pelo brilho no olhar que se formava, aqueles meus olhos sempre tristes, tinham algo diferente e também pela minha coragem repentina e por eu ter saído antes do fim daquele almoço do domingo de Páscoa. Eu sempre queria ficar, mas naquele dia foi diferente.
Vó, eu queria ter um jeito menos direto de dizer que perdi a fé e que a inocência virou uma leve amargura, que tento controlar, para que eu não vire de vez aqueles adultos que eu não entendia, porque estavam sempre tão sérios. Vó, eu queria ter um jeito ameno de dizer o quanto eu me machuquei nesses últimos anos, estou cheia de cicatrizes que parece que nunca curam. Muito piores do que aquele tombo que eu levei quando criança, eu cai da árvore de Jambo que tinha no quintal e cheguei chorando na sua casa. Eu tinha alguns hematomas que sangravam. E não lembro mais se doíam tanto quanto parecia doer mas eu tinha certeza do seu abraço. Vó, desde que você se foi eu nunca mais tive esse afeto, então eu tive que reinventar ou inventar ele dentro de mim e todo dia tentar não esquecer que de fato ele existe.
Vó, eu queria ter um jeito doce de dizer que estou cansada, mas não sei se é possível. Hoje sou uma mulher sem tantas esperanças, como tinha aquela menina que já conhecia muitas dores mas tinha esperança em um amanhã melhor. Mas calma vó, eu ainda estou vivendo, acreditando que tem um amanhã.
Vó, sabe o que eu descobri também? Que todo mundo sofre, mas de jeitos diferentes, antes eu achava que era só eu. Estranho né? Mas acho que quando a gente é jovem é normal. Descobri também que paixões acabam e se transformam em amor e quando o amor começa acabar é uma dor desconhecida.
Queria te dizer tantas coisas e juro que não é só coisas ruins. Me deparo com muitas coisas belas pelo caminho. E tem olhares, palavras, toques, sonhos, tanta coisa. Nem sei explicar. Essa vida adulta sem vó é estranha e triste. Mas também tem tanta coisa vó, que não sei se vou saber descrever. Você que por anos a fio ficou naquela casa, eu estou em outro estado e já fui para lugares que talvez você nunca tenha imaginado.
Mas estou aqui escrevendo para você saber, que por algum motivo e apesar de tudo eu acredito muito no amor. E isso é lindo.