ÁGUAS PASSADAS

As folhas das enormes árvores quando farfalham, os pássaros em seus gorjeios barulhentos, a brisa no voluteio das tardes quentes de verão, às vezes também o vento no momento em que decide levantar poeira ao passear por ruas de barro fino. Mas são cartas minimalistas e sem entusiasmos porque o coronel chutou o balde da vida, não merece atenção. Os elementos que se dão o trabalho de lembrar sua existência talvez o façam em virtude de mera clemência.

É consenso cristalino entre quantos conhecem o coronel não ser ele digno nem ao menos de receber de ninguém uma linha sequer escrita a mão ou digitada. Perda de tempo. Ele agora é apenas águas passadas, ponte sem volta, fim de estrada, nada além de fragrância esquecida. De vez em quando a chuva ousa respingar palavras de outrora destinadas a ele, mas os relâmpagos corroborados pelos trovões advertem-na, ele realmente não merece receber mensagem de quem quer que seja. Foi tornado pária por seus próprios erros, melhor ignora-lo.

Deveras persiste a questão: quem escreve ao coronel? Sem resposta, não se sabe efetivamente pois folhas, pássaros, brisa, vento e chuva são metáforas do silêncio e do esquecimento. Ele simplesmente nunca é lembrado, vive porém não passa de uma sombra, em meio à multidão sente-se só, nem o espelho responde ao seu sorriso. O coronel transformou-se no papel rasgado que as pessoas jogam na lata de lixo mais próxima.

Gilbamar de Oliveira Bezerra
Enviado por Gilbamar de Oliveira Bezerra em 06/04/2024
Reeditado em 06/04/2024
Código do texto: T8036087
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