Existem dois tipos de pessoas: As que amam cachorros e as que não merecem voto de confiança. Pelo menos é o que diz Tadeu, dono da barraca de cachorro quente defronte ao fórum municipal.

 

Toda unanimidade é burra, bem como, toda generalização. Mas o Tadeu insiste na premissa que afirma guardar desde a pequena infância, como herança de sua avó Geneusa.

 

Confesso não me sentir confortável com a afirmação do Tadeu. Não que odeie cachorros, mas prefiro vê-los à distância. No máximo um afago à cabeça: é o meu limite. Qualquer coisa além disso é invasão de privacidade.

 

Não me atraem os adeptos de nomenclaturas possessivas que acabam "reciclando" a ideia de descendência: pai de cachorro é cachorro; de gato é gato e de pessoas são seres humanos. Embora seja possível confundir, em alguns casos, quem de fato usa a racionalidade.

 

Não bastasse essa incidência tamanha de amores "plutônicos" (em homenagem ao Pluto da Disney)  e de demonstrações de amor públicas com beijos suculentos regados à "baba canina" recebi ontem, com surpresa, a notícia  de que a "filha" de Doutora Solange, médica cuja especialidade é cirurgia plástica, estava num hotel para cães, com babá e adestradores.

 

Tudo isso, porque, de acordo com a mãe, não se adaptara à vida corrida de sua genitora. Estressada, por vê-la se despedindo para ir ao trabalho, rompe a barreira da capacidade cognitiva -inerente aos cães daquela raça, de acordo com a dona- e estraçalha tudo que tem o "odor" da dona, logo: os móveis já foram trocados, duas vezes, em menos de seis meses. Tudo por causa da Camomila. Sim! A doce, terna, de candura inigualável: a "Camomilinha da Mamãe".

- Quer ver uma foto? Perguntou a médica, animada.

Não resisti e, curiosamente, aceitei o convite:

- Claro queqsim. Deve ser uma preciosidade!

 

Os olhos da moça brilhavam como quem tivesse parido aquele ser. Será que Camomila sentiria o mesmo?

 

- "De olhos verdinhos, de pelo branquinho, mais uma fotinha, pareço um coelhinho." Cantava baixinho a genitora.

 

Quase me debrucei à mesa do consultório para ver as fotos, já que ao dizer sim, abri as portas do destino para que a Dra pudesse descrever, com detalhes, cada momento, vivido pela "filha", sendo coroada com sua apresentação orgulhosa na última festa da "hotel-escola": Dia do Palhaço. Talvez combinasse bem com o papel que assumira há aproximadamente doze minutos, desde o meu sim. Assombração sabe para quem aparece.

 

A consulta que transcorria de modo surpreendente, deu lugar a risos fáceis, 

remelexos estranhos, lágrimas soluçantes e um silêncio: Camomila é portadora de Miocardite. 

 

Ofereci um abraço e desejei forças. Já ia saindo, quando percebi que nem tinha tocado no assunto que me conduziu até a sala de atendimento: era uma pequena cirurgia para correção da orelha por causa do uso excessivo de brincos. Olhei para ela e disse com caridade que voltaria num outro dia, sem emoções. Ela agradeceu e afirmou que pediria à Ana para entrar em contato para remarcar a consulta, já que se tratava de atendimento particular. Pediu desculpas.

 

E o que o Tadeu tem a ver com isso? É que depois da consulta, parei na sua barraca e pedi uma água com gás. Ele, como sempre, numa dessas "perguntinhas" que mais parecem "pegadinhas," soltou:

 

- Você gosta ou não de cachorros, Mônica? A juíza da quarta vara não, hein! Cuidado...

 

E o dono da barraca de cachorro quente "alugou um triplex" na minha mente: Será que gosto de cachorros? Respondi, prontamente:

 

- Depois da Solange, sinceramente, ainda menos... Preciso de um chá! De Camomila, não! Por favor, Tadeu.

 

E o Tadeu que nada entendeu, riu. De nervoso, creio.

 

 

Mônica Cordeiro
Enviado por Mônica Cordeiro em 06/04/2024
Reeditado em 06/04/2024
Código do texto: T8036002
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