Velhas coisas
Mãe me pede um pedido inusitado esta manhã.
Acabado de acordar tenho eu. Acordado e antes de eu beber água, inclusive, pede mãe que eu busque, em uma gaveta antiga, próxima a mim, seu birilo, e esta palavra me remete a século atrás.
Surpreendo-me ao constatar que mãe ainda é uma das poucas pessoas mundiais que utilizam essa nomenclatura para se referirem ao conhecido e pouco usual, nos dias de hoje, prendedor de cabelo. Antigamente, era comum ver mulheres de cabelos longos, ou até curtos às vezes, usando birilo para prender os cabelos. Hoje as mulheres estão menos cabeludas, acredito que principalmente por conta das preocupações mercadológicas e das exigências laborais. Nesse quesito, estão muito parecidas com os homens, dado que, segundo a estatística, é cada vez maior o número de calvos no mundo, sobretudo no Brasil.
Não sei se é por causa do calor. O calor, conforme opinião não sei de quem outro dia, ou li: é motivo de muita preocupação e de subdesenvolvimento. Coincidência ou não, Canadá, EUA, Noruega, Austrália, Finlândia, Suécia, Japão... o que têm em comum, além do fato de serem potências econômicas? O frio, ora.
O que isso tem a ver com calvície, também não sei dizer. O fato é que mãe me pede esse pedido inescusável: que eu vá a esta gaveta próxima a mim, buscar seu birilo. Por um momento de lucidez, a palavra me leva aos meus 10 anos, na época das gírias de vó. No tempo de vó viva vívida, me tirando do meio das patotas para me dar doce de mamão ou tutu (dinheiro), para eu comprar flau ou "frau", como vó dizia, em linguagem tão doce, hoje conhecido popularmente, em diversas partes do Brasil, como sacolé, picolé ou, mais modernamente, sorvete. Para mim, porém, sempre frau.
Agora, chego a esta gaveta com enorme carga de nostalgia, em busca do birilo de mãe. Abro esta gaveta como se estivesse abrindo meu coração, com as duas mãos e um gigante sentimento de mundo. Grandes riquezas guarda ela: um bilhete manuscrito e apócrifo, dois Pen Drives ScanDisk (alguém usa pen drive hoje em dia?), uma fita cassete ou CD, retrato, caneta, lápis, cigarro de palha (acho que era o de vó), borracha, dentre outras velhas coisas em desuso no "Mundo mundo vasto mundo", como diz o poeta.
Se, pelo menos, eu me chamasse Raimundo, talvez não tivesse envelhecido bastante no neste "Mundo mundo vasto mundo", cada dia mais novo e cheio de coisas velhas.