O ATOR.

Caminhava displicente após a aula particular de matemática, onde aprimorava seu ponto fraco para a prova que se aproximava.

Deparou-se com cartazes onde anunciavam alguns dos próximos filmes que estariam estreando no cinema do centro da cidade quando  distraído ao ler os nomes de cada protagonista dos novos lançamentos, viu se aproximar, um senhor bem trajado com ar professoral, voz calma e serena que o abordou com uma pergunta que até aquele dia ninguém o havia feito:

-Boa tarde, tudo bem? Cumprimentou.

Balançou a cabeça com ar receptivo para ouvir o desconhecido, que continuou:

Sou diretor do teatro que fica  aqui ao lado, e gostaria  de saber se por acaso acaso você tem vontade de fazer um teste?

Acometido por um misto de susto e surpresa com a pergunta, foi no automático que respondeu:

-Gostaria sim, mas sinto dizer, não tenho experiência em atuar. 

De forma amável educada, aquele senhor usando óculos, expressão simpática, prosseguiu :

-Olha , vou deixar com você meu cartão, se for do seu interesse, todas as quartas feiras, fazemos leitura de textos, após a mesma, seleciono os que se destacam para  a oportunidade de quem sabe iniciar uma carreira artística.

A simples fala, " iniciar uma carreira artística ",  o fez inflar o ego de maneira que jamais havia experimentado, pois representava um mundo novo que repentinamente se abria em sua até então previsível entediante rotina. 

Após a breve conversa, com aquele senhor, provavelmente em busca de novos "astros" , se despediram e cada um seguiu seu destino.

Entusiasmado com a proposta inusitada, tomado por uma incontida ansiedade, começou a contar os minutos  para que chegasse rapidamente a quarta feira.

O grande dia do teste de leitura de textos, que o levaria a uma possível nova carreira de  sucesso. 

Sonhador que era, tendo pouca modéstia, já se via encenando peças teatrais e filmes, com seu nome estampado nos palcos e telas dos cinemas do mundo.

Imaginou dando autógrafos e até se sentindo tão importante que já projetava em sua mente ser reconhecido nas ruas, em seu imaginário, por todos transeuntes que queriam afoitos uma fotografia para registrar sua presença.

Literalmente viajou em telas de cinema e palcos em seus sonhos pelas noites, e até  lia alguns textos em voz alta pela casa para não desapontar o descobridor desse  talento que até então ele próprio desconhecia.

Passava os dias imaginando porque quarta feira não chegava, tal a ansiedade de se apresentar para aquele senhor cujo nome  não esqueceria, Sr. Farinelle, que soava mesmo de um diretor teatral.

Pensava assim com uma  sensação que nunca havia experimentado, já se vendo se apresentando para seletas  plateias nos maiores teatros inclusive na Broadway em Nova York. 

Finalmente, ao chegar o dia combinado para os primeiros ensaios, o teste definitivo para seu lançamento ao mundo da fama , em passos rápidos, se dirigiu ao teatro que já conhecia, por ter assistido algumas peças famosas que ali se apresentaram, foi fortemente abalado por uma enorme decepção,  pois ao procurar pelo "renomado" diretor que o projetaria em direção a gloriosa carreira, foi informado friamente  que ali nunca haviam ouvido falar nesse tal de Farinelle.

Entristecido e desapontado, saiu  imediatamente e  foi se consolar na sorveteria ao lado do teatro, onde devorou com um misto de raiva e decepção seu sabor favorito...