COISAS DE ABRIL
COISAS DE ABRIL
Sento-me ao redor da mesa, despertado para um novo dia. A vidraça insinua-me o mundo lá fora.
[ Eu viajo ]
Então...Aquelas mesmas casas, a mesma estrada, a mesma timidez amarelada de sempre vivas pelos barrancos.
Gavião choroso ponteando um céu borrado de neblina.
[ O guinchado me parece triste, tem algo de dolorido... ]
Janelas acanhadas, chaminés fumarentos, gatos ressacados enovelando-se pelas varandas...
Laranjas temporãs, rosas impertinentes cruzando cercas de ripas, varais abanando roupas - molhadas ainda - caquizeiros despidos albergando revoadas .
Pinhões de São José bordando paralelas de chão batido , carroções de feno conduzindo elegâncias matutas em trajes de linho...
Ares delatando alguns cheiros de domingo pelas aldeias.
[ Frango e macarronada ]
Manjericão ungindo cozinhas, vazando janelas envidraçadas, fuxicando aconchegos que beiram fogões.
Espera-se alguém para o almoço.
Idealizam-se abraços nas porteiras de entrada.
Arrulham pombos entre lambrequins , latem cães vadios no entorno de paióis, e quaresmeiras floridas guardam recados lilases do clima de Páscoa.
Reina na paz encolhida ao friozinho da manhã, a expectativa de um dia raiado de ternura .
Doce de abóbora valseia no pão besuntado à manteiga e a mesa é um altar sagrado pleno de oferendas.
Em divagações sou um cigano armando barracas pelas coxilhas do tempo.
Vapores diáfanos elevam-se da xícara de café e do outro lado da vidraça balança nervosa a roseira preparando flor.
Feito passageiro no trem do pensamento, perco-me nas paisagens ilusórias , nas veredas por onde o frio do vento obrigam-me a buscar no armário a velha e surrada jaqueta que guarda ainda odores de outonos já vividos.
Além da vidraça o gavião solitário continua pendente sob um céu pastoso, guinchando dolorido sobre o tapete de sempre vivas.
Na casa vizinha uma janela abre-se para o infinito e a senhora de cabelos alvos,aspira o doce silêncio de beira de estrada.
Ao redor da mesa, entre um gole e outro de café, rendo-me aos encantos da manhã, junto-me à senhora de cabelos alvos e o silêncio de beira de estrada, entra-me pelas narinas.
Só então me dou conta de que tudo não passa...
Destas coisas de abril.
Joel Gomes Teixeira