"Resta esse coração queimando como um círio
Numa catedral em ruínas
Essa tristeza diante do cotidiano
Ou essa súbita alegria
Ao ouvir na madrugada passos que se perdem sem memória "

 

- Vinícius de Moraes -

 

 

 

CADA AMOR É UM TANTO... ENCANTO E PRANTO

 

 

O amor é o sentimento mais intenso e sublime da existência humana,  motivo de ser e existir. Não cabe no peito, ele transborda para todos os cantos, já que não conhece as barreiras da razão que tenta se fazer muros e paredes. Ele corre como um rio em busca do oceano do desejo. E nesse caminho se alimenta da fome de beleza, bebe as lágrimas da dor para matar a sede do sentir. Quem não conheceu o amor, não existiu. Quem não ama, não vive!
O amor apresenta muitas faces, não tem uma forma ou desejo únicos, como também não cabe no espelho, já que seu reflexo é diáfano na entrega do carinho, compreensão e beleza. Não a beleza estética, essa alimenta apenas o corpo, e o amor é alma, surge sem que necessário seja ver a pele, pois a nudez tem outros olhos. E nesse diapasão de várias formas do amor, alguns filmes que assisti nos  últimos dias me fizeram a inflexão desta crônica, porque cada amor é um tanto.
Revendo o clássico " Casablanca ", o amor de Rick  por Ilsa ( como a beleza de Ingrid Bergman é incomparável!) encontra seu ápice no momento em que ele entrega os "passes livres" para que ela consiga voar com seu marido de Marrocos para Lisboa, e de lá conseguir fugir da Europa dominada pelos nazistas para os EUA. Rick sabe que Ilsa o ama, mas entende que esse amor não pode ser vivido. Ele é doação, ele escolhe a dor da solidão para tentar fazer a felicidade do casal.
Em " Pobres Criaturas ", a jovem Bella resgatada da morte, vive a liberdade não permitidas às  mulheres, ela conhece os todos os prazeres sem os limites do patriarcado, enquanto seu noivo Max a espera sem esperanças. Um filme arrebatador e necessário, onde o amor foge às convenções, já que ele não se permite limitar. O amor segue, ainda que pareça não ter onde chegar.
" Caminhando nas Nuvens" é um filme belíssimo. O amor nessa obra tem a beleza ímpar dos sacrifícios voluntários. Victória Aragon (magnifica) é engravidada por um professor que a abandona. Paul (Keanu Reeves) recém chegado da guerra (casado) a conhece e resolve se passar por seu esposo, já que seria uma tragédia ela se apresentar grávida para seus familiares de moral bem tradicional. E nos vinhedos que são vida, o amor pode germinar, mesmo diante dos incêncios que destroem quase tudo...
" A Letra Escarlate " cujo livro já tinha me encantado, foi uma surpresa maravilhosa. Hester (Demi Moore belíssima é pleonasmo) uma mulher solitária, mesmo casada (marido em outro continente) encontra o amor nos braços do reverendo Arthur. Um amor proibido (às vezes a proibição alimenta o desejo) que pode gerar a pena capital se descoberto. E ela engravida. Mesmo diante do julgamento e das tentativas de descoberta, ela mantém o segredo do nome de seu amante como prova maior de amor. Ela se sacrifica por ele, mesmo diante do degredo imposto pela sociedade em forma de uma letra miserável.
Por fim assiti " O Predestinado",  um filme que demonstra o amor da caridade e fraternidade, onde Arigó, através do espírito de Dr. Fritz, cuida de tantos enfermos. Perseguido pela sociedade elitizada e pela igreja católica. O amor da esposa Arlete, Juliana Paes, é o sacrifício de quem ama sem medo. Ela vence até os dogmas religiosos.
A arte não imita a vida, ela representa. O amor sempre será o melhor caminho, mesmo com estradas sinuosas, mesmo que a gente não saiba se vai conseguir chegar. Ama, pois, o resto são sombras que talvez não amenizem a solidão. O gozo só tem sentido quando nos tira a realidade, quando olhamos pela janela e não queremos ir embora. O incompreendido e não vivido. O amor tem muitas faces e seus tantos, mas há um amor que é tanto e único. Encanto que vence a madrugada, pranto que ganha o dia.

 

 

Desta singela capela, resta uma catedral em ruínas

 

Desta singela capela,
resta uma catedral em ruínas.
Nada importa no passado não vivido
se o futuro se revela imperfeito.
Ainda que não exista uma verdadeira esperança,
da poesia talvez reste letras e cor...
A alma fenece em decomposição poética,
e a rima albergue é o cárcere do peito.
Não há terra firme,
as veredas insinuam um mar revolto.
Cada história tem um tanto de beleza,
mesmo quando vive à margem
de um sentimento perdido ou esquecido.
À parte disso,
sequer sobrevive uma vã esperança maldita.
Para que escutar tantos silêncios?
Eles já não falam.
São o afã de nada...
Não sei o porquê,
mas não há surpresas.
Se existe chuva
que encobre o sol sorrateiramente,
os sinos não tocam mais,
não chamam o fiel incrédulo.
A sinfonia da vida perde homília,
e a boca não quer mais aquele beijo,
prefere desesperadamente um café...
O amargo da língua virou o melhor sabor!
O coração questiona incerto
se exato já não se sabe quem é.
E o que há de vir
quando o tempo pára?
O peito está perecível
como quem deseja ir em frente
mesmo sem saber andar.
Para que ser homem?
Melhor é ser menino que sabe chorar.
A lágrima dói,
mas passa rápido.
O tempo é agora,
e nele é possível ser maior.
Sozinho no mundo ninguém cresce,
até porque o bem só se busca juntos.
Quando a solidão se curva diante de si,
entendendo olhares a esmo,
o amanhã não permite mais,
por ser hoje menos e menos.
A alma não se encontra além dos muros,
e o que é mais imenso
senão o amor quando faz sentido?
Mas talvez ele nunca faça sentido...
Quando a vidraça se quebra,
faz da dor que excede
uma lágrima que seca e transborda.
Sem telhado e luz,
em vão juntar pedaços...
A vida é um prado onde correm sentimentos,
e se cada dor for uma estrela cadente,
faça seu pedido de luz.
Como menino que acredita nos sonhos
peça para adulto saber chorar.
Onde se está pouco importa,
é preciso saber para onde ir,
mesmo que não tenha onde chegar.
Deve-se levar todo o amor que puder,
e o que não puder,
levar em sonho consigo.
A viagem do amor nunca termina,
até mesmo quando chega ao fim.
E no abraço aprender a morrer,
já que o café mesmo amargo,
é o sabor que não se pode vencer.
É o medo,
é o travo,
da amargura por alguém.
Quando a tristeza fizer mais bem que a alegria,
aprenda a ressuscitar.
Não importa se irá morrer de novo,
já que vive eternamente quem nasce para amar.
Passar os dias a entender-se,
porque talvez só dentro de si
se encontre o que queima como chama
e desmorona como ruína...

 

Tarcisio Bruno
Enviado por Tarcisio Bruno em 03/04/2024
Reeditado em 03/04/2024
Código do texto: T8033821
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