A Mania da Dorinha

Era sempre a mesma cena: A Dorinha limpando o arroz e mastigando alguns grãos. Mamãe após cumprimentá-la, me avisava: Viu a Dorinha? Ela tem mania de comer arroz cru. Nunca faça isso; é coisa séria!

As tiragens da minha mãe eram ótimas, decididas e com ares exclamativos. Como se eu fosse fazer o arroz, quem cozinhava era ela.

Todas as manhãs, eu e a mãe passeávamos no pequeno vilarejo no interior do RJ. Poucas pessoas, muito mato, bichos de todas as espécies ( inclusive eu os queria no meu quintal, e fatalmente acontecia ) e construções de poucas casas em andamento naquela região rural. E na caminhada agradável, sempre nos deparávamos com a vizinha , a Dorinha catando o seu arroz. A perna direita se apoiando na esquerda fazendo um quatro, e, o vício de comer o bendito arroz in natura.

Dorinha era casada com o Tião e tinham três filhos. Eram descendentes de italianos. Mas o que realmente chamava a minha atenção era a cor do cabelo que era um loiro diferente, quase branco, cor de palha, lindo de morrer! Todos tinham a mesma tonalidade capilar. E ela elogiava o meu cabelo que era castanho escuro e liso. Era engraçado percebermos as nossas próprias invejas. E a minha mãe preocupada com o hábito da Dorinha.

- Bom dia, Dorinha

- Bom dia, dona Carmen, bom dia indiazinha bonita!

Depois dos devidos cumprimentos matinais, elas tomavam um café bem quentinho com broa de milho, como numa ritualística. As crianças em volta brincavam e curiosas, mexiam no meu cabelo. Elas me achavam diferente. Uma das meninas corria e arrancava uma margaridinha selvagem e introduzia numa mecha e dava um nozinho com os meus próprios fios. Era de uma meiguice sem igual. E eu retribuía contente aquele carinho mexendo nos cabelos dos italianinhos. E a minha genitora com os seus conselhos imediáticos e acolhedores, essa era a sua preocupação. Pobre Dorinha, rs

Não se falava em raiva ou tristeza, todos eram felizes como a simplicidade dos campos; dos matos; dos rios e os seus córregos.

Não havia bullying, mas a curiosidade normal perante as diferenças. Outros tempos que saudosos, não voltam mais.

Ah, sabe a Dorinha? Engravidou do quarto filho e continuava com o seu vício.

Kathmandu
Enviado por Kathmandu em 02/04/2024
Reeditado em 02/04/2024
Código do texto: T8033446
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