Eu estava sendo cozido à vapor
Havia no terreiro do Posto Fiscal, pertinho de nossa casa, em Fronteiras no Piauí, uma enorme tora usada como assento. Corríamos nas imediações dela brincando do “pega” quase todas as noites. Naquela noite quis fazer bonito.Eu tinha apenas nove anos de idade e saí correndo de costas em ziguezague, tropecei na tora e caí por cima do braço. A meninada que me “perseguia” caiu em cima de mim. O braço ficou moído, fraturado em várias partes. Seu Norberto, um farmacêutico prático do local, prestou socorro.
Com os parcos recursos que dispunha, pôs uma tipóia e me mandou de volta pra casa. No dia seguinte, em menos de vinte e quatro horas do primeiro acidente, peguei uma bicicleta e pedalei na estrada que liga Fronteiras a Campos Sales - Ceará. Numa desenfreada medonha e com pouco equilíbrio por ter apenas uma mão no guidom, cruzei com um veículo vindo em alta velocidade. Quase me atropelou. Caí. Saí rolando estrada afora e o braço sadio ficou mais quebradinho que o outro. Levado para Campos Sales, seu Guimarães fez o que pôde. Imobilizou os braços com tiras de compensado e botou uma tipóia em cada ombro. Agora tinha os dois braços quebrados, restava esperar que os ossos se emendassem. Trinta dias e trinta noites mal dormidas se passaram. Tiraram as talas. O primeiro braço acidentado estava perfeito! O segundo, porém, tinha a forma de / L / e já cheirava mal. Tudo levava a crer que meus pais teriam um aleijado na família.
Lembro-me daquelas palavras de minha mãe. “Enquanto eu tiver forças pra lutar, filho meu não vai padecer de aleijado. E acresceu às suas orações uma promessa a Nossa Senhora do Perpétuo Socorro em benefício de minha cura.
Conversando com uns viajantes, mamãe ficou sabendo que em Floriano, havia um senhor conhecido por “Seu Milagre” que fazia estirar pernas e braços tortos ou entrevados. Mas meus pais não tinham dinheiro sequer para as despesas com transporte. Para realizar o sonho de obter a cura do filho, dispunham apenas da fé.
Nossa Senhora do Perpétuo Socorro tem inúmeros filhos acolhidos por adoção espiritual e muitos deles ofereceram a boléia de seus caminhões para nos levar de graça até Florian no Piauí. Começaram os preparativos da viagem, quase nada se tinha a levar, a não ser um menino aleijado e muita fé nos corações. Era tudo que se tinha, mas diante de Deus só isso basta. Em Floriano, “Seu Milagre” nos esperava com instrumentos cirúrgicos muito simples, o principal deles era um tambor de 200 litros de água fervente com um pano por cima para conter o vapor e muita gente para segurar a cobaia. Sem anestesia, três homens me pegaram, colocaram meu braço sobre o tambor. Meu braço estava sendo cozido a vapor... Foram longos minutos de sofrimento. A dor era tamanha que fiz xixi e “caguei” nas calças. Desmaiei. Quando acordei, o braço já estava engessado. Ficamos vários dias na casa do caminhoneiro José Bezerra, cuja esposa, Dono Coló, cuidou de mim como Rafael, o anjo da cura.Voltamos pra casa. Tempos depois movimentava os braços sem dificuldade. Nenhum defeito físico. Tudo perfeito, como Deus criou.
LIMA, Adalberto, RODRIGUES,Francisco José et al. O Brasil nosso de cada dia.