Crônicas Médicas - O início do fim de um ciclo
Em uma Quarta-feira de Cinzas, seis anos atrás, eu tomei a decisão que garantiu minha vaga dentro da faculdade. Poucas semanas depois, em uma Sexta-feira Santa, saí do Rio Grande do Sul com minha matrícula feita. Hoje, Domingo de Páscoa, retorno para Campo Grande para começar o sexto ano do curso que sempre sonhei em fazer. Sinto como se o ciclo estivesse se fechando em completa perfeição, desenhado por Deus como deveria ser.
Durante a viagem, em pensamento, olho ao meu redor e me sinto parado no meio de uma rua qualquer de minha infância, em que aqueles que sempre estiveram comigo seguem vivendo no mesmo terreno de meu coração e na qual alguns novos personagens fizeram morada em espaços antes inabitados. Enquanto isso, outros vão e vêm por um caminho que não consigo enxergar nem o início nem o final.
Ainda em minha mente, olho para trás à procura de quem eu costumava ser, mas já não me reconheço no passado. Não sei ao certo quem procurar. Não sei se mudei muito ou se me mantive exatamente como era. Talvez um pouco de cada, apesar de paradoxal. Certeza tenho apenas de não ter perdido minha essência e olhar humano que me trouxeram para a medicina.
Por fim, tento olhar para o futuro, mas a neblina da incerteza não me deixa ver muito distante. Talvez seja um sinal para aproveitar o presente em cada oportunidade que minhas escolhas trouxerem. Já na reta final da minha jornada acadêmica, mas também desde o início dela, entendo a importância de viver o agora, aquele clichê que todos falam em algum momento da vida.
Sabendo disso, nessa caminhada em que se costuma abdicar de muita coisa, tentei sempre zelar pelo equilíbrio. Fiz aquilo que era preciso e também fiz aquilo que me dava prazer. Estudei e pratiquei esportes; fiz projetos e fui a festas; participei de eventos acadêmicos e realizei trabalhos voluntários. Ainda, visitei minha família quando foi possível, aproveitei a companhia de meus pais e meus avós, viajei em casal e dediquei tempo àqueles que mais importam em minha vida, mas também voltei à rotina quando o dever chamou, sempre tentando fazer cada sacrifício, meu e deles, valer a pena. Sempre em primeiro lugar, guardava na memória que, antes de ser estudante de medicina e futuro médico, sou ser humano e tenho uma única vida para aproveitar.
Com esses pensamentos, um aperto no peito e lágrimas nos olhos, inicia-se meu último ano letivo. Fora de época, com um misto de sentimentos e com as crônicas que me acompanham desde que tudo começou, retorno uma vez mais à rotina que já dura alguns anos. E, ainda assim, até hoje não consegui me acostumar a dizer até breve a quem fica para trás.