A Contradição do Jejum de um Cidadão de Bem

Era sexta-feira santa e lá estava ele, todo orgulhoso, ostentando seu prato cheio de vegetais e peixe. Nada de carne, afinal, era um dia sagrado e ele, como bom cristão, fazia questão de seguir à risca esse preceito. O que poucos sabiam, no entanto, era que por trás daquela fachada de religiosidade, escondia-se um homem de atitudes deveras questionáveis.

Ao mesmo tempo em que se privava de um pedaço de bife, não tinha pudores em trair a esposa, sonegar direitos de seus funcionários, subornar e receber subornos ou agredir verbalmente quem cruzasse seu caminho. Nas redes sociais, compartilhava fake news e discursos de ódio, sempre em defesa de seu político de estimação, por mais controverso que este fosse, um genocida. Mas no dia santo, ah, no dia santo, ele era o mais devoto dos fiéis.

Essa contradição, infelizmente, não é exclusividade dele. Quantos de nós não conhecemos alguém assim? Pessoas que se apegam a rituais e tradições religiosas, mas parecem esquecer os valores essenciais que deveriam guiar suas vidas. Que usam a fé como uma espécie de verniz social, uma forma de se afirmar como "bons" e "corretos", quando suas atitudes diárias revelam o contrário.

No fundo, essa postura revela uma religiosidade rasa e conveniente. Uma fé que serve mais para aplacar a consciência do que para transformar verdadeiramente o ser. É como se, ao abrir mão da carne naquele dia específico, a pessoa gangasse o direito de cometer todo tipo de atrocidade no restante do ano.

Perversidade mesquinha, espiritualidade falsa. Afinal, de que adianta um dia de jejum, se o que nos alimenta no resto do ano é o egoísmo e a hipocrisia. Isso não é o cúmulo da estupidez?