O PODER DA ÁGUA NO PODER DAS MÃOS

Sou romano de nascimento, pertencente à família Pôncio, de origem Samnita, quinto governador da Judeia, nomeado pelo imperador Tibério. Trouxeram à minha presença um judeu nazareno; acusam-no de blasfêmia, por profanar os sábados, pela falta de ensino sobre o jejum aos seus discípulos, por dizer-se filho de Deus e rei dos judeus.

Por ser da Galileia, alçada de Herodes Antipas, e por este estar em Jerusalém por conta do evento da páscoa, tentei manter minhas mãos limpas, sob o pretexto de conflito de jurisdição, enviando-lhe o acusado. Por não ver culpa nele, Herodes o manda de volta.

Não sei o que conversaram, mas sinto que aquele nazareno promoveu uma aproximação entre eu e Antipas, extinguindo a inimizade que havia entre nós.

À turba que o acompanhava disse que o julgassem segundo as suas leis, mas, estupefato, vi que na verdade queriam matá-lo, poder que somente eu tinha.

Foi quando, então, fui ter melhor com ele. Olhando-o reconheci uma autoridade que não correspondia ao que ele para mim representava, uma realeza mesmo sem coroa ou trono. Às perguntas que lhe fiz, seu silêncio e suas respostas provocavam em mim emoções e sentimentos incomuns fazendo-me levantar e sair antes de saber dele o que é a verdade. E a verdade é que eu estava maravilhado.

Ao me retirar do átrio em direção aos acusadores para ratificar a inocência do acoimado, minha esposa me intercepta me alertando que ele era um justo e que havia sofrido muitas coisas em sonho por causa dele. Precisava manter minhas mãos limpas, pois nada me levaria a matar esse homem que sei que é inocente.

Pela terceira vez recusei a condenação, mas, pressionado pela ameaça dos sumos sacerdotes e dos anciãos do povo que insinuavam que isto poderia ser levado ao conhecimento de César, e sob os gritos da população que pedia a pena de morte, cedi.

Não quero minhas mãos sujas! – pensei – tragam-me água – disse – e lavando minhas mãos reivindiquei inocência para o que prenunciava acontecer e mesmo convencido de que não era o caso de impor-se a mais grave das penas, entreguei-o nas mãos dos seus algozes. Intimidado por aquele julgamento público e oral, curvei-me à vontade de alguns incomodados e invejosos e a sanha de uma turba ignorante e manipulada.

Aquele homem se achava diante da morte e não se abalara, tinha sido traído e não se rebelara, quando preso exibira paciência, sofreu humilhação sem revidar, foi esquecido pelos seus e não se revoltou, desculpou quem o escarneceu, esqueceu as ofensas enquanto açoitado, foi injustiçado e não se defendeu.

Quem é esse homem que parece capaz de nos perdoar quando estiver expirando na cruz? Preciso lavar minhas mãos, pois não as quero sujas!

Mas, em vão. Nem toda a água do mundo seria suficiente. Estava tudo em minhas mãos, mas só agora percebi que me tornaria cada vez mais limpo se não as tivesse lavado.