ACONTECEU EM LISBOA

A noite caía calma e o som do tráfego serenava na avenida em frente ao hotel. Pedi ao atendente da portaria que me indicasse um local aonde eu pudesse comer prato típico e ouvir o fado.

Não lembro mais o nome do local, afinal já se vão treze anos do acontecido, mas o fato é que estive numa taverna na Rua das Salgadeiras, no Bairro Alto.

O ambiente é semelhante às tavernas cenográficas dos filmes de piratas.

O cheiro acre de defumados, dos assados e dos caldos ferventes que vêm do fundo do salão mal iluminado se mistura ao do fumo dos frequentadores.

Num canto, sobre o tablado à guisa de palco, o conjunto de músicos com instrumentos de corda enchiam o ambiente com o som choroso dos fados no melhor estilo da imortal senhora, dona Amália Rodrigues.

O garçom que me recepcionou, ao ver o broche com a nossa bandeira no meu casaco, transformou-se em gentilezas ao informar que os seus parentes mais próximos haviam mudado para o “El Dorado” aonde se faz fortuna pois a bonança está em toda parte e que, em breve, ele também viria para este paraíso chamado Brasil.

Fui tratado com a deferência que se faz a um príncipe e acomodado numa mesa de frente para o palco.

Na mesa ao lado, dois senhores de idade avançada, estavam conversando enquanto comiam pão com farta porção de cebolas ao azeite servida em travessa larga decorada e tomavam vinho em canecas, também, de louça.

Eles conversavam naturalmente como velhos amigos e riam bastante, talvez discorrendo sobre fatos de outros tempos. Tentei acompanhar o que diziam, mas apesar de falarmos a mesma língua, somente pude entender “pois” e “é verdade” que ambos diziam em complemento ao que o outro falava.

Lá para as folhas tantas, seguindo a tradição, fez-se absoluto silêncio quando a cantora vestida a caráter, trazendo aos ombros o xaile negro e franjado das fadistas, subiu ao palco para interpretar as canções carregadas de emoção e saudade.

Por mais de duas horas tive a satisfação de ouvir a verdadeira música de meus ancestrais enquanto me deliciava com os bolinhos de bacalhau, carapauzinhos ao molho escabeche e, claro, acompanhados com pão e vinho.

GLOSSÁRIO

Carapau – nome genérico para diversos peixes de pequeno porte e corpo fusiforme.