Um olhar mais atento

 

 

Observo a vida

com olhos do coração

Beleza contida

 

A cada dia, a cada instante, vislumbramos um tempo único. Mas isso não é novidade, é apenas constatação.

A nossa visão de mundo muda constantemente. E o acompanhamento do novo, que, diga-se de passagem, tem sido super-rápido, dificulta a nossa vida. Mal assimilamos o necessário e o novo já se tornou obsoleto! Daí surge a dúvida… Onde ficam, nesse emaranhado de novidades, os valores que norteiam o nosso caminhar?

Vai bem distante o tempo em que era comum valorizarmos as coisas em sua essência mais simples, como, por exemplo: os cinco sentidos – as nossas mídias de outrora – os nossos elos com o mundo exterior.

Curiosamente, pergunto-me: para quem terá sido o meu primeiro olhar? Consigo voltar no tempo, mas não a ponto de me recordar desse maravilhoso momento… Contudo, posso deduzir, afinal nasci em casa e, talvez, tenha sido para minha querida mãe – naquele tempo, os bebês só abriam os olhos dias depois de nascidos, diferentemente de hoje. Do mesmo jeito, os primeiros sons, os primeiros carinhos, os cheiros e os sabores; este último, com certeza, deve ter sido do leite materno.

Às vezes, penso que o planeta virou de cabeça para baixo e, nesse reboliço medonho, tudo se misturou, desordenando até mesmo o nosso jeito de vê-lo.

Pensar que a TV já foi tida como a grande vilã, pois roubava nossa atenção! Isso, hoje, é quase nada, se comparado ao tempo que gastamos com celulares e outras tecnologias. Talvez tenha sido aí, com a televisão, o começo de toda essa parafernália que permeia os nossos dias e, da qual, já não abrimos mão, o que é pior.

Hipnotizados com os botões dos aparelhos eletrônicos que nos ligam ao mundo virtual, nos esquecemos, muitas vezes, de levantar o olhar para observar o nosso entorno, cumprimentar as pessoas que nos rodeiam, elogiar a refeição – feita com tanto carinho. Enfim, como uma potente viseira, as mídias eletrônicas nos condicionam a olhar somente para a tela à nossa frente.

Impossível não fazer comparações! Mesmo deixando de lado o saudosismo, quando refletimos sobre o nosso comportamento hoje, as diferenças saltam aos olhos.

Tempo bom quando fazíamos passeios pelos campos, sentindo o vento no rosto, admirando a natureza com os seus cheiros, sons, tons e sabores tão peculiares – o perfume das flores, o som dos passarinhos, o murmúrio das águas dum riacho qualquer ou sentindo o mato fresquinho sob os pés, que se descortinava em vastos campos com diferentes nuances de verde, os cheiros e sabores das frutas maduras – coisas tão corriqueiras que, para muitos, é perda de tempo, coisas do passado! O pai “GOOGLE” mostra tudo (ou quase) isso no aconchego do lar, através de uma tela qualquer.

A verdade mais cruel, no entanto, é que vivemos um isolamento, e não é o social – imposto pela pandemia. É um isolamento eletrônico – imposto por nós mesmos – e que já acontece em nossa vida faz tempo. No qual nos desligamos do real, para nos conectar com o virtual. Diferente do processo de meditação em que nos desligamos dos nossos sentidos sensoriais para nos isolarmos do mundo externo e, automaticamente, nos ligar ao EU interior, trazendo paz e serenidade; este outro parece nos deixar mais tensos, secos, frios e arredios.

Em tempos de pandemia, em que apenas os olhos ficam à mostra, aprendemos – ou deveríamos ter aprendido – a sorrir com o olhar. Fazer uma conexão não por meio eletrônico, mas pelo olhar, aproximando nossos mundos.

Nunca a visão se fez tão necessária! Devemos aprender a olhar o outro de forma diferente. Olhar além do físico, buscar o interior. Aprender a colocar, no olhar direcionado ao outro, o carinho, o amor, a compreensão.

Resgatar tal prejuízo perdido, ou simplesmente jogado no fundo dos nossos baús, não é tarefa fácil. Será preciso reinventar a vida, dando-lhe um novo olhar.

Vanda Jacinto
Enviado por Vanda Jacinto em 29/03/2024
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