A Vida na Caserna: construção ou combate?

Apreende-se e valoriza-se desde tenra idade a competição, a disputa, o melhor lugar no podium, internaliza-se a ideia de que a “vida é combate”, como pode ser lido em letras e linhas gerais do “Bruxo do Cosme Velho”. Porém quando se vive em ambientes adstritos a um tipo de cultura, tradição e discurso próprios, como é o caso das instituições militares, nesse caso especificamente, daquelas voltadas a árdua e valorosa missão de Preservação da Ordem Pública, caso particular das Polícias Militares, presenciam-se variados e inenarráveis exemplos de que a vida é muito mais uma construção coletiva do que uma frenética peleja.

Disse alguém um dia que a verdadeira intelectualidade deveria ser orgânica, aquela tirada do suor, do sangue, do riso, do choro, do acerto, do erro, em síntese: da experiência. Não devendo ser extrema e unicamente teórica, sem comprovação prática, disposta em folhas rotas e, amareladas de velhos tratados.

Na caserna e no cotidiano da vida policial militar, presenciam-se experiências que só aqui são possíveis devido a natureza peculiar do trabalho aqui praticado: a entrega incondicional da integridade jurídica, física, psicológica e do mais indisponível dos bens tutelados: a vida. Tudo isso em benefício de outrem: a sociedade. Não havendo assim nada mais vocacionado do que ser policial militar.

Percebe-se, à moda de Aluísio de Azevedo, quando o seu Cortiço se torna a personagem principal de sua trama, que aqui também ocorre o mesmo. Um policial militar deixa de ser um individuo e passa a ser um átomo em um corpo maior. Hoje o 6º Pelotão da 1ª Companhia (ao qual pertenço durante o Curso de Formação de Sargentos) é o exemplo dessa dinâmica e se tornou a personagem principal, se desenvolvendo e evoluindo desde o primeiro dia até esse momento. Como diria o próprio 6º/1ª: É massa ser nós!

Essa dinâmica de suprimir o individualismo em detrimento do coletivo é característica essencial dessa atividade e aí está o pulo do gato, a caserna recolhe vários indivíduos e os condensa em um só corpo. Um consciente coletivo que se liga a todos os integrantes.

Onde poder-se-ia ouvir relatos como o que narra o acidente envolvendo uma viatura policial militar, em que a Central questiona sobre a gravidade do acidente e os danos a viatura, onde prontamente o policial informa que não há ninguém ferido e que o único dano fora no “giroflex’ da viatura. Quando o operador questiona o que acontecera com o “giroflex”, o policial militar prontamente e com bom humor, mesmo na adversidade, responde: é que ele esta embaixo da viatura e a viatura virada com as rodas para cima. A caserna é resiliente.

Aqui ocorre o milagre da multiplicação, tal qual ocorria naqueles almoços em família em que cada um levava um prato, que não seria suficiente para alimentar uma pessoa, mas que juntando tudo satisfazia a todos e ao final do dia cada um ainda levava para casa mais do que trouxera. Chega-se com pouco, mas ao final se sai com mais do que trouxera, eis a mística da caserna.

Na caserna, a vida se desdobra em um balé coreografado entre dever e lealdade, entre a disciplina e o afeto fraternal. É um espaço de aprendizado constante, onde cada passo, por mais singelo que pareça, contribui para a construção de um todo coeso e preparado para enfrentar os desafios que se apresentam. Ali, entre os muros que abrigam sonhos e aspirações de defesa e serviço, a vida pulsa em uma cadência única, enaltecendo valores que transcendem o tempo e moldam não apenas soldados, mas também homens e mulheres de caráter, prontos para servir e proteger, mesmo além das fronteiras físicas da caserna.

Texto 1° Colocado nas Olimpíadas do Curso de Formação de Sargentos (CFS/2023/2) da PMSC, prova de literatura.

Valdemar Ricardo Pereira
Enviado por Valdemar Ricardo Pereira em 29/03/2024
Reeditado em 29/03/2024
Código do texto: T8030062
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