A EMOÇÃO DO ÂNGELUS

No começo de noite de um dia de outrora, arrebatado por forte e surpreendente emoção, hora do ângelus levou-me às lágrimas mais intensas antes nunca tão sentidas. Os acordes singelos, os tons entrelaçados, a beleza da sinfonia, a harmonia musical tocante, a letra quase declamada num idioma não do meu domínio, a doce voz que a interpretava, tudo, a junção desses fatores deveras atravessou-me os tímpanos, visitou o coração e alcançou a alma. Lá, poderoso, explodiu. Daí então, sem conseguir conter o fluxo decorrente de mãos invisíveis que quebravam os grilhões do desabafo aprisionado por anos de silêncio, prostrei-me a chorar.

Qual razão factível me faria ser conduzido, como um manso cordeiro para longe da proteção do aprisco, até o ponto extremo de dar-me por inteiro ao pranto somente escutando a melodia característica da hora do ângelus? Eu não sabia. Surpresos, os circunstantes que me viram chorar naquele instante especial certamente se perguntavam o mesmo. Mas se eu mesmo desconhecia o motivo daquele rompante estranho ninguém mais haveria de compreender. Eu simplesmente banhava o rosto com lágrimas enquanto o som da pracinha espalhava pelas redondezas a doçura do ângelus.

Algumas pessoas tentaram me consolar meio desajeitadas, talvez por educação ou visando apoiar-me, houve quem chorasse comigo, muitos sussurravam perguntas para as quais eu não tinha resposta, me abraçavam contritas, mas nada, muito menos palavras de conforto, abafava minha vontade de continuar naquele choro perturbador. Vontade aliás, asseguro, que parecia não fluir de mim, brotava de uma incontrolável energia sem explicação plausível.

Isso durou por todo o tempo em que a carinhosa e cândida melodia do ângelus ecoava em derredor e enchia o ar, a rua, as casas e os corações. O seu encanto, no entanto, apenas em mim se mostrou mais pujante e fascinante, me fragmentando em mil ou mais de abstratas ondas emocionais. Desde então, onde quer que eu esteja, acompanhado ou sozinho, se ouvir a música tema do ângelus eu choro. É quase impossível conter o impulso.

Gilbamar de Oliveira Bezerra
Enviado por Gilbamar de Oliveira Bezerra em 28/03/2024
Reeditado em 28/03/2024
Código do texto: T8029921
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