A SOLIDÃO, O BEIJA-FLOR E SANSÃO
Quando todos me abandonaram dia após dia, um após um, e eu fui ficando sozinho sem ninguém se importar com as lágrimas nos meus olhos, apenas e tão somente meu cachorro permaneceu fiel. Não sei se ele compreendia a tristeza que estampei no rosto, o ar de desalento e desamparo no semblante, enfim a agonia de quem se vê na solidão, mas percebi que ele se aproximou de mim ainda mais.
Sansão jamais saía do meu lado, ia comigo aonde eu fosse, lambia minhas mãos, farejava-me ansioso e balançava a cauda com ânsias de agradar e demonstrar alegria por estar comigo. Nos momentos de tv Sansão descansava aos meus pés, cochilando talvez porque sempre atento a qualquer ruído, movimento ou repentinos estranhos. Almoçava à mesma mesa que eu, dormia ao pé da cama, onde nunca subia por educada determinação que lhe impus, e trazia a garrafinha com água gelada quando, atento, eu apontava para a geladeira.
Certo dia, quanto lamentei o fato desolador, num súbito inesperado, Sansão também me deixou. Amanheceu morto, desabando sobre mim o peso de insuportável tristeza. A partir daquele momento, oficialmente eu estava completamente só. Sem latidos, lambidas, rabo abanando, sem o amigo compreensivo, sem o amor de quatro patas, sem realmente nada. Meu mundo caiu de uma forma desastrosa. Perguntei-me por que somos deixados tanto por causa do desprezo de alguns quanto em virtude da morte de outros. Respondi-me chorando.
No mesmo dia em que Sansão também se foi para sempre algo inexplicável aconteceu. Abri a janela com vista para o jardim, os olhos baços, as feições entristecidas, sim com pena de mim e da amarga condição em que me encontrava, e olhei o vazio, o nada. Depois de uns poucos minutos, para minha agradável surpresa, um beija-flor surgiu de repente vindo mansamente em minha direção. Pensei que ele desviaria de mim no momento apropriado, mas a avezinha continuou vindo até suavemente pousar sobre minha cabeça. E ali ficou.