ILHA DO MEDO

A Baía de Todos os Santos tem um arquipélago composto de 56 ilhas, sendo a principal a de Itaparica. Outras ilhas são bastante conhecidas, a exemplo da Ilha do Frade, considerada área de proteção ambiental (APA) e onde só é permitida a permanência de nativos da ilha, sendo no entanto muito visitada por pessoas que buscam suas belezas naturais.

Próximo a Ilha do Frade encontra-se a Ilha do Medo, outra considerada APA e totalmente desabitada, principalmente por não disponibilizar de recursos hídricos.

A pequena e fascinante ilha é envolta em diversas histórias de mistérios e assombrações que contribuem para sua fama e o afastamento das pessoas que evitam ir lá, notadamente pelo sugestivo nome.

No século XIX teve uso militar e como colônia de leprosos, cujas ruínas ainda existem.

A origem do nome envolve mistérios.

Uma versão diz que a Ilha é assombrada pelo fantasma de um padre de Itaparica que se recusou a rezar uma missa para determinada família que recorreu às autoridades e em consequencia o padre foi exilado na ilha passando a viver lá e convidar pessoas para assistir missas que celebrava no exílio. Após sua morte seu fantasma passou a vagar pela ilha assustando quem por lá aparecesse.

Relatos mais antigos contam que pescadores ouviam gemidos e lamentos de pessoas com língua estrangeira, possivelmente holandeses que invadiram a Bahia e sendo rechassados, ali teriam se escondido e permanecido até a morte.

Conta-se ainda que um pescador presenciou na faixa de areia contígua a ilha uma mulher horrenda que soltava fogo pela boca e grunhidos terríveis nas noites sem lua. O pescador, após avistar a tal mulher emudeceu e nunca mais falou uma palavra.

As histórias mais plausíveis são de que na ilha eram estocadas as riquezas extraídas do solo brasileiro a espera de navios vindo de Portugal para embarque desse material a fim de ser levado para Lisboa.

A despeito de se afastar possíveis curiosos a guarnição da Ilha disseminava o boato de contaminação da Ilha pela lepra.

Por fim, a história de que os navios negreiros ancoravam próximo da Ilha a fim de descarregar sua carga humana para ser escravizada nas diversas fazendas do recôncavo e interior baiano, e os negros doentes e inúteis eram desembarcados na ilha a fim de se recuperarem ou por lá morrerem, passando suas almas a compor o cenário fantasmagórico da Ilha.

Existia em Nazaré das Farinhas uma moça bonita de atributos consideráveis, filha de um fazendeiro austero que exercia com mão de ferro a administração de sua fazenda, não permitindo que nenhum homem olhasse para sua filha ou sequer chegasse perto. Ai de quem se atrevesse. Era muito temido e ninguém ousava se aproximar da filha dele.

A moça era filha única e seu tesouro maior. Vivia reclusa e praticamente não se relacionava com ninguém.

Um certo dia apareceu por lá um mascate que vivia sem rumo a oferecer suas mercadorias de déu em déu.

Certo dia o tal viajante aportou na fazenda e bateu palmas na cancela. Os cachorros fizeram um estardalhaço anunciando a presença do estranho que gritava:

-Oh! de casa!

A esposa do fazendeiro perguntou:

-Quem é?

O rapaz respondeu:

-Sou de paz. Um mascate com excelentes artigos.

Autorizado a entrar, abriu a cancela e colocou para dentro da cerca as duas mulas abarrotadas de mercadorias.

Em seguida expôs na mesa da varanda o que tinha de melhor, desde cortes de tecidos, vestidos, blusas, frascos de perfumes, sapatos, sandálias, calçolas e sutians.

A senhora ficou encantada e chamou a filha para ver as novidades. Quando a moça chegou os olhos do rapaz quase sairam do rosto de tão bonita que era aquela garota.

Enquanto a mãe se encantava com as novidades tanto o rapaz quanto a moça não paravam de trocar olhares furtivos. Nisso chegou o fazendeiro e se surpreendeu com a cena de tanta mercadoria espalhada.

A mulher apressou-se a contar ao marido que o moço era um mascate e a convencê-lo da necessidade de adquirir certos itens.

No vai e vem das negociações o mascate não deixou passar desapercebido seu encanto por aquela moça recatada e tímida que retribuia discretamente seus olhares.

O fazendeiro notou o clima entre os dois e nao gostando do que via mandou a mulher escolher o que quisesse e despachasse o mascate para que ele fosse logo embora.

Daquele dia em diante as idas do mascate a fazenda passaram a ser mais frequentes. E cada vez mais os dois demonstravam sinais de afeto.

Um belo dia não se contiveram e se aproximaram mais do que o usual

O mascate declarou-se à moça que estremeceu ante a possibilidade do pai ficar sabendo e tomar represálias drásticas.

Em uma das idas do mascate a fazenda o fazendeiro resolveu dar um basta e expulsou o rapaz proibindo-o de voltar. Queria desse modo impedir um possivel relacionamento entre ambos.

O mascate reuniu suas mercadorias e sem que percebessem fez um sinal para a moça de que a esperaria fora da fazenda.

Apos ter saido, caminhou um pouco e sentou-se a sombra de uma árvore para esperar a moça.

Aproveitando que o pai nao estava por perto e dando uma desculpa a mãe, a garota saiu meio escondida e logo estava a conversar com o mascate. Este, sem mais delongas, propôs uma fuga, o que deixou a moça relutante. Aceitaria aquela proposta ou viveria como uma noviça enclausurada para sempre sob o jugo do pai? O mascate não esperou que a moça respondesse. Combinou um dia para ir buscá-la e que a moça estivesse pronta, pois partiriam na surdina e quando seu pai percebesse estariam distantes.

Assim foi que no dia combinado o mascate foi esperar a amada.

A moça reuniu algumas roupas e de forma sutil, saiu sem que a mãe notasse e foi encontrar com o seu amado no local combinado.

Fugiram rapidamente, sabendo que ao ser descoberta a fuga o fazendeiro enviaria seus capatazes e leões do mato em busca de encontrar e levar de volta a filha fujona e o audacioso mascate para o devido castigo exemplar pelo sequestro de sua filha.

Conhecedor de toda a região o mascate logo chegou em São Roque do Paraguassú e lá fretou um saveiro para que os conduzisse a Ilha do Medo, pois lá devido a fama da Ilha, não seriam capazes de procurá-los.

Assim o fizeram.

O tempo passou e os dois lá permaneceram na esperança de que um dia pudessem voltar e obter o perdão do orgulhoso fazendeiro.

Porém não retornaram. Deles não se teve mais notícias. Será que dá Ilha do Medo resolveram ir para outro lugar ao invés de retornarem à Nazaré? Será que conseguiram alguma forma de embarcarem em um saveiro ou outra emvarcação que os levassem a Salvador?

Até hoje não se tem notícias do que de verdade aconteceu com o casal de apaixonados.

*Do livro HISTÓRIAS DO RECÔNCAVO (a ser lançado)

Valdir Barreto Ramos
Enviado por Valdir Barreto Ramos em 27/03/2024
Reeditado em 27/03/2024
Código do texto: T8029070
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