Um homem supérfluo
É certo?
É certo esperar por algo que não se quer cultivar
Por que se espera?
Ocorre-me a mesma pergunta quando não sei o que devo e se devo esperar. Situação incomoda, sem propósito de ser, esperar como se tudo dependesse disso. Esperar como no momento seguinte, o imponderável e, talvez, o derradeiro, aconteça o que não se está pronto para suportar.
A vida toda, pelo menos, a dos que esperam, nunca se conclui. É um eterno acontecer, esse infinito tempo perpétuo, sem pausa, sem reflexão. Como se a vida acontecesse num carrocel, numa monótona rotina, sem outra coisa senão repetir o compasso. E então se acostuma esperar. Se acostuma ver a mesma e monótona paisagem. Se acostuma ver as mesmas e horrendas pessoas e suas caras horrendas. Não se estranha mais os maus tratos aos criados, tão acostumados ficamos. É pois, acostumamos e nem mais viramos o rosto ao miserável que dorme à rua, não. E depois, como quem busca a salvação, vamos à Igreja e rezamos. Rezamos para Deus e esquecemos dos seus filhos. Não estranhos os injustos tratos desferidos por homens de "bem". Seguimos e esperamos o perdão eterno quando é na Terra que a vida acontece. E seguimos. Seguimos imbuídos das nossas responsabilidades, afinal, somos pessoas de bem, diz o padre ao final da homilia.
É uma devassidão sem fim; um esperar permanente, uma tortura, uma tortura dilacerante, um martírio. Um infinito continuum que esgota qualquer aparência de pausa.
Por que, por que essa realidade tão indesejada, tão árida? Por que deixar que a carne apodreça antes do abraço chegar! Delírios! Delírios! Dirão os doutos homens das leis. Homens supérfluos, homens bestas feras porque ignoraram o valor e o sentido da vida. Homens honrados nos seus postos de trabalho, homens probos para a plateia ignorante, porém, às escondidas, longe dos olhos atentos dos justos, homens igualmente nefastos como o ladrão que adentra sorrateiro à casa quando todos dormem.
Esperar. Esperar toda vida por algum milagre, talvez.
Esperar, tal qual um Homem Supérfluo, um homem que espera de Lisa, a perfida garota, ao menos ela lhe parece perfida, um homem que espera um mínimo de atenção. E então, ele, concluído em toda sua insignificância, espera, espera um olhar, de desprezo, ao menos, não importa, é tudo que ele deseja.
O que esperar quando não se consegue levar a própria vida? O que mais pode acontecer quando na incapacidade de se reconhecer capaz de um gesto nobre, um gesto que se pode chamar de nobre, surge, no lugar, como um contraponto, um ante -paro, um quebra onda, e o ato que seria nobre, tal qual o castelo que se desmancha com a onda, o ato nobre se esgota antes do acontecimento e o sujeito, que esperava o ato salvador, o ato que o colocaria ao lado dos homens nobres, ante ao contraponto, se recolhe e volta a ser um homem supérfluo.
Deseja flores, pequena, diria ele, como quem oferece o lombo àquele que lhe desferirá o chicote. O sujeito não recua. Está sempre a postos, pronto para servir em troca de um olhar, mesmo de desdém; ele não se importa, agradar, agrada-lhe, porque é nessa hora, nessa mísera hora, que ele, para seu mínimo deleite, terá a possibilidade de se sentir útil. Mas não. É supérfluo, é mínimo. Cada fragmento de pele, fio de cabelo, cada célula do seu corpo, faz dele um sujeito supérfluo.
O canalha enganou a pobre velha, na hora do troco. O capacho de Lisa, o sujeito supérfluo, viu e quedou-se. Supérfluo e covarde, ou, conivente, tanto faz. O sujeito é raso em toda sua existência. Sem história. Sem possibilidade de superar a própria pequenez, ele rasteja. Rasteja atrás dos homens doutos, homens bestas feras, homens surrupiões, porém, homens de bem, dirão honradas senhoras e suas honradas filhas. Tudo discurso. Somente palavras fazias porque vazios são seus corações. Pessoas supérfluas, pessoas abjetas.
O homem supérfluo espera. Espera por um milagre, talvez.
É hora de dormir. Hora de repousar e saber que no dia seguinte, antes que o galo cante, ele levantará para mais um dia sem Lisa, sem honra, sem história.