Relógios

Vou jogar meu relógio fora. Não se preocupem, antes que falem qualquer coisa, não é um relógio desses que ocupam o noticiário político ou policial, e não farei isso num córrego ou na rua. Conheço minhas obrigações, jamais jogaria sequer um pedaço de papel numa via pública, muito menos um relógio.

Alguns poderiam perguntar: está sobrando dinheiro? Não, dinheiro continua algo escasso. E tem mais: se eu quisesse vender o relógio, não encontraria compradores. Relógios andam em baixa no mercado, sejam os de pulso ou os de mesa, não entusiasmam o consumidor, assim me parece. O que pensar daqueles de bolso? Os que tinham uma correntinha e ficavam guardados no bolso do colete — pra quem não sabe, colete é uma peça do vestuário que se usa entre a camisa e o paletó. Os mais chiques tinham um bolsinho adequado, no meu precário entendimento do assunto, para os relógios de bolso. Ninguém está nem aí para essas formalidades, nem nas solenidades em que se pede “traje fino” ou “social”.

Na sala de visitas da casa dos meus avós, tinha um relógio de parede, antigo, bonito, uma obra de arte. Depois que eles morreram, foi levado para minha casa, mas nunca mais funcionou. Ficou na parede, como se fosse um enfeite. Um dia, sumiu, deve ter evaporado.

Às vezes, encontro relógios de mesa à venda em alguma lojinha. Acho que todos vêm da China. A indústria nacional deve ter perdido o interesse na sua fabricação. Além do mais, minha percepção é a de que são descartáveis, ficam logo obsoletos, ao contrário dos antigos, de corda, que duravam uma eternidade e passavam de pai pra filho. Será que alguém ainda tem um desses? Eu costumava usar como despertador. O tique-taque fazia barulho na minha cabeça a noite inteira, mas era bom pra estimular o sono, tique-taque, tique-taque, tique-taque. Depois, troquei o velho despertador por um de pilha e o barulhinho bom acabou. Até o dia em que caiu e quebrou, definitivamente. Substituí pelo celular. Celular que dorme, come, vai ao banheiro, estuda, vê TV, vai à academia com a gente, não é?

Antes do celular, relógio de pulso era sinal de modernidade, de compromisso com horários, de seriedade. Quando eu ganhei do meu pai o primeiro relógio, foi quase uma festa em família, um rito de passagem, virei “adulto”. Que responsabilidade! Disseram-me para usar sempre no braço esquerdo, para ser discreto e manter o visor voltado para cima. Não achei difícil cumprir com a etiqueta exigida, difícil é ler o manual desses celulares atuais, nem ouso, ligo e pronto, ele que funcione sozinho e que tome conta da minha vida.

Vou descartar o relógio numa gaveta de itens antigos, onde há inclusive vários celulares, desatualizados, vencidos. Vai que a moda volta ou os celulares entram definitivamente em pane, não custa prevenir. Falando nisso, que horas são?