PORTAL SAUDADE (sobre muitas coisas e sobre o Álbum de Caetano de 1987 e sobre muitas coisas que esse Bolachão portal me traz)

Escrever tem sido um movimento de pintar pássaros que se aninham no seio do coração de minhas saudades.

O professor Hélio diz que não é bom sentir saudades, que o Universo fica confuso e parte para a próxima pessoa, para realizar coisas para essa outra pessoa. É como se o Universo dissesse assim: “essa pessoa é muito saudosista, vou procurar alguém menos saudosista”. Sorri um pouco enquanto escrevia isso sobre o Universo. Professor Hélio não disse isso, nem disse assim, é claro. Entendi a mensagem do pesquisador Hélio sobre o tema.

Ele sabe que a saudade é um portal poderoso de ressignificar histórias. Muitas vezes, é doloroso chegar ali, remexer as imagens gastas, mas vívidas, limpar algum lixo (sempre há…). A saudade também auxilia na expansão de nossa consciência, porque quando vamos ali, lá, onde aconteceu, já “maduros” ou já, outra pessoa, requalificamos aquilo que foi pensado lá, ali. De modo que a saudade (para mim) é mesmo um portal poderoso de compreensão.

O autor Jean Lescano escreveu sobre isso, não lembro se em livro ou Artigo. Ele diz sobre o poder da saudade, num contexto espiritual de reprodução de sentimentos, numa estratégia de Autocura ou coisa que o valha.

O meu muito preferido psiquiatra Carl Gustav Jung também se debruçou sobre o tema, vou usar um trecho do livro que estou estudando: sobre a saudade, dentre outras elucidações, “Jung deixou claro que podemos dar vida a vários aspectos da nossa personalidade, que a nossa busca deve ser sempre por ampliar quem somos hoje. A ideia é nos integrar em uma personalidade mais rica, vivendo experiências não só do ‘novo’, mas também do “mais antigo” que há em nós. Jung dizia que é preciso ‘nascer e morrer’ dentro de uma mesma existência para que haja a transformação.”

Então, respaldado em pesquisa, posso dizer que não vivo no passado, mas amo o que vivi. Ressignifico por causa das viagens através desse Portal poderoso: a saudade.

Saudade que, aliás, é palavra brasileira, não há em outra língua. Pode-se dizer que sou mesmo, uma brasileira da gema, tendo a saudade como uma das fibras mais fortes em minha estrutura psicoTUDO. E não teria como ser diferente. Ainda mais que hoje encontrei o Álbum do Caetano. A capa cujo título do Trabalho carrega seu nome em caixa alta: CAETANO VELOSO. No centro uma fotografia do poeta, abraçado ao violão. Ao redor a cor cinza platinado, desliza e preenche as quatro bordas. Dentro, um montão de música fora de série desperta todos os sentimentos, todas as emoções, todos os Mundos…

Tudo lindo! Começando pelo fantástico Trilhos Urbanos. Antes, fiquei trinta minutos admirando a capa, olhando nos olhos do Caetano e recebendo a transfusão de paz que vem das recordações que esse disco reimprime em mim.

Lembrei-me de montes de coisas: boas, alegres, nem tanto, totalmente alegres, tristes, muito tristes.

Algumas lembranças tem cheiro de mingau de maizena, outras, goza de um aroma de sopa de bebê. Minha filha Flora ouviu muito esse Álbum, comigo. Nasceu em 1997, o disco comprei pouco tempo antes, então, todas as canções foram nossas trilhas. Algumas canções tem cheiro de tinta de Natal, porque recorda, a mim, a repintura da casa de minha mãe e do meu pai: àquele tempo, nossa casa. E embora não seja o mesmo bolachão, senti a riscadura na canção O leãozinho, no terceiro verso e consegui ouvir a reclamação de painho a dar um toque: “acho que já deu né Dudu”? (rs) Porque é óbvio que ouvia mais de uma vez.

É um Álbum feito para aquela moça Solineide Maria aquele ano de 1987… 1990… também concebido para a mulher-mãe que nasceu com Flora Maria em Agosto de 1997.

Coração vagabundo passou vários anos a ser um tema recorrente na minha vida. Colaborou com achamentos e não pertencimentos dentro daquela experiência de Mundo quase 2000 e pós 2000; com maior reverberação, pelo menos, até 2007.

Flora Maria, minha filha, ouvindo desde pequena, conseguiu aprender a tocar O leãozinho no violão. Quando estamos juntas (fisicamente), ela sempre faz uma Playlist Caetaneana para tocar par mim, enquanto trabalho no computador. Um dia, Dante (meu amado neto) perguntou assim: “vovó essa música também é daquele cantor que você gosta de ouvir?” Lembrei da Dona Canô, quando chamava Caetano para ver Gilberto Gil quando aparecia a cantar na TV.

Semana passada fiquei um tempo olhando uma foto do Caetano com a irmã Maria Bethânia, tornaram-se Senhor e Senhora, eu, igualmente tornei-me Senhora. Eles tem uma importância imensa para o Brasil e para os brasileiros, quer sejam fãs ou não. Eu que sou fã, fiquei olhando profundamente nos olhos dos dois e senti-me irmã dos dois; deu-me um arrepiamento na alma, sentimento profundo e largo. Impressão de que são meus irmãos, tive a intuição de que eles entendem minha vida e de que a compreendem. Foi num triz de segundo e me ouvi falando em voz alta: vocês sabem de mim, não sabem? Pois…

Quando dei por mim, havia chegado à Terra, faixa final do disco. Como se a viagem tivesse que retornar para o Mundo atual, onde habito na roupagem que carrego e que vem mudando, desde 1972.

Foi fantástico, porque justamente nesse instante, um grande pássaro colorido pousou numa das muitas árvores que enfeitam as janelas de nossa casa, aqui em Luanda. Não consegui tirar foto, não posso provar, mas é isso que é.

Escrevo para pintar pássaros para preencherem o ninho de minha saudade.

Solineide Maria

Luanda, 26 de Março de 2024

Solineide Maria
Enviado por Solineide Maria em 26/03/2024
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