Entre Sem Bater - The Day After

Boris Yeltsin disse:

"... pode-se dizer hoje, que amanhã será um dia de paz, um dia menos de medo e mais esperança pela felicidade de nossos filhos. O mundo pode suspirar de alívio ..."(1)

A União Soviética teve poucos governantes que deixaram o poder ainda com vida. Yeltsin foi um deles, entretanto, sua saída não teve nada de pacífico ou normal para uma política austera de partido quase único. A turbulência que Yeltsin viveu deve-se, em parte, à política de "pacificação" que Gorbachev implementou. Contudo, podemos dizer que ele pavimentou uma diminuição e quase sumiço da "Guerra Fria". E o mundo não acabou em seu mandato...

THE DAY AFTER

A "Guerra Fria" foi um período de tensão geopolítica que se estendeu por quase meio século. Certamente, foi uma corrida armamentista sem precedentes entre as duas superpotências da época, EUA x URSS. Atualmente, mais de quatro décadas após, o mundo parece estar à beira de uma nova era de tensões geopolíticas. A guerra entre a Rússia e a Ucrânia serve, por exemplo, como um lembrete sombrio das ameaças à paz mundial.

Desde que o filme "The Day After" impressionou o ator Ronald Reagan, nunca mais o mundo foi o mesmo, até ontem ...

A produção "Day After" serviu para que a União Soviética reduzissem os atritos que avançaram pelo mundo. A expansão dos ataques ao comunismo, como por exemplo o Macarthismo(2) e conflitos regionais, deram o tom da Guerra Fria.

Por outro lado, enquanto as tensões geopolíticas dominam as manchetes, outros problemas se avolumam. Apesar dos avanços significativos na saúde e na redução da pobreza nas últimas décadas, as guerras predominam. De acordo com o Banco Mundial, cerca de 10% da população mundial vive em extrema pobreza ou em condições de saneamento(3) precárias.

A questão então se torna: por que, se a tecnologia e a riqueza existem em abundância, a pobreza ainda persiste? A resposta, infelizmente, está na própria natureza do poder geopolítico e o domínio imperialista. Em vez de canalizar recursos para aliviar a pobreza e a fome, muitos governos investem em armamentos e conflitos militares.

INTERESSES NOS CONFLITOS

A lógica por trás dessa decisão é simples, mas profundamente falha. Ao financiar guerras e manter arsenais de armas de destruição em massa, os governos acreditam que estão protegendo seus interesses nacionais. No entanto, essa mentalidade ignora o fato de que a verdadeira segurança não se faz através da força militar. É provável que, qualquer paz se faça através da estabilidade social e econômica.

Além disso, a corrida armamentista moderna desvia recursos que teriam melhor utilização no combate a problemas globais urgentes. Com toda a certeza, vivemos vários "day after" da fome, da pobreza e das pandemias, que são evitáveis. De acordo com um instituto de Estocolmo, os gastos globais(*) com defesa em 2020 foram de quase $2 trilhões. Para colocar isso em perspectiva, a ONU/FAO estima que seriam necessários apenas $267 bilhões por ano para erradicar a fome no mundo.

Em última análise, a escolha de financiar guerras em vez de aliviar a pobreza reflete uma falha fundamental em nossas prioridades globais. Enquanto continuarmos a valorizar o poder militar sobre o bem-estar humano, teremos consequências nefastas. Desse modo, a pobreza, a fome e as doenças continuarão a afligir milhões de pessoas ao redor do mundo.

Inquestionavelmente, a solução é possível e existem recursos, só que estes recursos estão nas mãos de poucos. Precisamos reorientar nossas prioridades globais, passando da corrida armamentista para a erradicação da pobreza. Ao fazer isso, haverá uma possibilidade de paz e a estabilidade global, a menos que as religiões queiram prevalecer sobre outras.

GUERRA FRIA MODERNA

Atribui-se a Einstein o pensamento de que a quarta guerra mundial teria paus e tacapes como armas. Seria dele a ideia de que a terceira guerra global seria devastadora. Já podemos vislumbrar isso quando drones matam seres humanos, sob controle de nações que dominam o planeta. A dominação, surpreendentemente, com as redes sociais, atinge a mente das pessoas.

A Guerra Fria (1947-1991) e o atual conflito entre Ucrânia e Rússia apresentam semelhanças e diferenças significativas. Ambos tiveram como "motivação" as tensões geopolíticas, ideológicas e militares. Entretanto, diferem em termos de contexto histórico, escala, impacto global e uso de tecnologias de comunicação. Com toda a certeza, Goebbels faria milagres interplanetários com um Whatsapp nas mãos.

Desse modo, neste longo período, o mundo polarizou-se em dois blocos:

1. O bloco capitalista liderado pelos Estados Unidos da América (EUA)

2. O bloco socialista liderado pela União Soviética (URSS).

Desde então, tivemos período com uma série de conflitos indiretos, como a Guerra da Coreia (1950-1953) e a Guerra do Vietnã. A corrida armamentista e a ameaça de um confronto nuclear eram constantes. Contudo, as duas superpotências nunca entraram em conflito direto, chama-se terceirização de conflitos.

Por outro lado, o conflito atual entre Ucrânia e Rússia é um confronto direto que tem suas raízes na história complexa dessas nações. Recentemente, a tensão aumentou com a Rússia ameaçando usar armas nucleares. Embora os Estados Unidos afirmem que não há indícios de que a Rússia faça isso contra a Ucrânia. Neste caso, a mera menção de tal possibilidade é motivo de grande preocupação e a OTAN retoma o protagonismo.

FUTURO SOMBRIO

A polarização entre otimistas e pessimistas não oferece nenhum espaço para o debate e o realismo. Infelizmente, cada um quer ter razão e fazer sua bolha prevalecer, e a religião permeia a insanidade coletiva. Religiosos abraçam as teorias da prosperidade terrena e atacam a tudo e a todos. O futuro, sem dúvida, dará pouco espaço para qualquer debate.

PRIORIDADES GLOBAIS

Um novo conceito de humanidade será possível somente se as prioridades tiverem uma compreensão racional.

Como podemos mudar nossas prioridades globais?

Mudar as prioridades é um desafio complexo que requer ação em vários níveis. Algumas maneiras pelas quais podemos começar a fazer isso são exequíveis, mas os líderes não querem. Como se não bastasse, o individualismo reinante não deixa as pessoas refletirem sobre o que podem fazer.

Alguns ações que deveríamos atuar, e podemos influenciar estão aí, quais sejam:

1. Educação: Aumentar a conscientização sobre os problemas da pobreza, fome e doenças é o primeiro passo. Isso se faz através da educação formal, campanhas de mídia social e documentários.

2. Política: Os cidadãos podem pressionar seus representantes políticos para priorizar a erradicação da pobreza. Desse modo, através do voto e da participação em atividades de politização reais, eleva-se a cidadania.

3. Economia: Devemos apoiar empresas e organizações que tenham compromisso com a responsabilidade social. Desta forma, comprar produtos de empresas que pagam salários justos ajuda a sociedade. Outrossim, fazer doações para organizações que trabalham para aliviar a pobreza pode ser uma alternativa.

4. Pessoal: Individualmente, devemos nos esforçar para ser mais conscientes, sobretudo em nossas escolhas de consumo que afetam os outros. Por isso, devemos reduzir o consumo excessivo, elevar a reciclagem e a apoiar a compra de produtos locais.

Com toda a certeza, a mudança começa com cada um de nós. Se cada pessoa fizer um pouco da sua parte, é possível mudar as prioridades e nossa vida. Entretanto, o individualismo coloca tudo a perder e muitos ficam "... dando murro em ponta de faca ...".

DISCURSO

A ideia do day after é muito peculiar para quem, por exemplo, atua com tecnologia da informação. Os grandes incidentes ou ameaças podem se traduzir como Zero Day(4). Desse modo, quando existe a divulgação de um sinistro, o day after é uma realidade.

O ex-líder soviético fez um discurso, dentro do Congresso dos EUA, há mais de trinta anos, que enganou muitas nações.

"Deixamos para trás o período em que a América e a Rússia se entreolhavam através de locais de armas prontos para puxar

o gatilho a qualquer momento. Apesar do que vimos no conhecido filme americano, The Day After, pode-se dizer hoje, que

amanhã será um dia de paz, um dia menos de medo e mais de esperança pela felicidade dos nossos filhos. O mundo pode

suspirar de alívio." (Discurso ao Congresso dos EUA (18 de junho de 1992) - Boris Yeltsin)

Ninguém suspira de alívio e muitos passam fome, frio e sofrem com precárias condições de saúde e saneamento. Nas redes sociais as plataformas querem que o jogo siga impávido. E ainda tem brasileiro que faz questão de ver a ponta do dedo do sábio apontando para as estrelas no céu. #Quefase !!!

E a Rússia atacou Kiev(5), o day after é aqui e agora.

"Amanhã tem mais ..."

P. S.

(*) Todas as nações com representação na ONU sabem que seria mais fácil erradicar a fome e a pobreza custa pouco. Entretanto, as nações e muito deficiente mental ainda defende o capitalismo.

(1) "Entre Sem Bater - Boris Yeltsin - The Day After" em https://evandrooliveira.pro.br/wp/2024/03/22/entre-sem-bater-boris-yeltsin-the-day-after/

Referência textual básica: - Série "Ponto de Virada: A Bomba e a Guerra Fria" - Netflix

(2) "Entre Sem Bater - Joseph McCarthy - Macarthismo" em https://evandrooliveira.pro.br/wp/2024/03/20/entre-sem-bater-joseph-mccarthy-macarthismo/

(3) "Entre Sem Bater - Matt Damon - Água, Saneamento e Pobreza" em https://evandrooliveira.pro.br/wp/2024/03/11/entre-sem-bater-matt-damon-agua-saneamento-e-pobreza/

(4) "Bomba: O Enigma do Zero Day- Parte 1" em https://evandrooliveira.pro.br/wp/2019/01/01/bomba-o-enigma-do-zero-day-parte-1/

(5) "Ataque aéreo russo deixa feridos em Kiev" em UOL https://www1.folha.uol.com.br/mundo/2024/03/ataque-aereo-russo-deixa-feridos-em-kiev-dizem-autoridades-locais.shtml