A cigana do Viaduto do Chá
A cigana do Viaduto do Chá
O vento frio chegava à pele no Viaduto do Chá quando uma cigana me interpelou instando para ler minhas mãos.
Mesmo dizendo não ter dinheiro, a senhora, com suas saias coloridas, pregueada e com camadas de babados, insistiu na leitura desse livro da vida, dispensando até o pagamento posterior.
Intrigado por tanta contumácia, abri minhas mãos para o estudo do que eu mesmo revelaria para mim.
A zíngara postou na face um largo sorriso e comunicou que os arcanos a impeliu a fazer essa solene decifração.
Me aturdiu em sua epifania ao me advertir que eu seria feliz e que seria muito rico.
Ensinado por Sócrates, perguntei-lhe se saberia me dizer o significado de felicidade e de riqueza.
Respondeu-me com exemplos daquilo que seria ser feliz ou ser rico.
Os diálogos socráticos de Platão me ensinaram a não me satisfazer com essas respostas como as da gitana.
A dúvida sobre a realização efetiva do oráculo palmar persistiram na continuidade para atravessar o Viaduto da infusão.
Ora, se a cigana não sabe o que é felicidade e riqueza como poderia ler nas minhas mãos que seria feliz ou rico?
Pois, então, imediatamente me lembrei dos oráculos de Ifá, chegados ao Brasil do antigo Daomé, atual Nigéria.
Conforme Ifá, a revelação da predição não é mais importante que a interpretação dada a ela.
Terminei por pensar que não seria tão relevante saber o que é a felicidade ou a riqueza quanto interpretar, em cada momento subsequente da vida, se o que estava vivendo faria parte das duas ideias.
Assim, a profecia da cigana se realizaria se a minha interpretação do seu cumprimento combinasse com seu augúrio.
Danada da cigana! Jogou para mim mais uma responsabilidade que se iniciou no próprio Viaduto do Chá.
Rodison Roberto Santos,
São Paulo, 15 de setembro de 2023