CRÔNICAS CARIOCAS - QUE HORAS SÃO?

Família, diz o ditado, a gente não escolhe. É verdade. Mas amigos são a família que nós escolhemos. São aquelas pessoas que trazemos para nosso convívio e que valem, muitas vezes, mais que certos familiares. Cunhado não conta.

Nestes 73 dias de convivência, sem direito àquele famoso adicional, conheci peças raríssimas e figurinhas mais que carimbadas. Não eram familiares, mas tornaram-se amigos. Nem todos, é claro. Se assim fosse, não seria amizade, mas utopia, palavra que todo pseudo-escritor gosta de usar. Inclusive eu.

Porém, como já ouvi de um sábio anônimo, a convivência e a intimidade trazem duas coisas: filhos e falta de educação. Quando esta última se torna desairosa, é triste. Mas a falta de educação na melhor das intenções, ah, isso é muito legal, ou pra usar um neologismo transpetriano, é IPC. Então, desta convivêmcia, intimidade e conseqüente falta de educação, surgem os indefectíveis apelidos. Quem não os temem?

Alguns são óbvios, como os que denotam uma característica física ou comportamental, mas nem sempre dá pra explicar um apelido. Tentar explicá-lo, muitas vezes é como querer poetizar um muro de tijolos sem reboco. Não adianta, sempre teremos alguém que não entenderia e a gente, de novo, mais uma vez, novamente, teria que explicar a origem do famigerado.

Foi assim em Ipanema, posto 9.

Dizem as péssimas línguas que o Posto 9 é conhecido pelo alto índice de cannabis incinerada, que deixa a atmosfera com contornos de Biotônico Fontoura: é só aspirar que dá uma fooome... Mas o pessoal estava lá, batendo ponto na praia lotada, o sol rachando a derme e a epiderme da galera quando um afro-descendente pergunta a um destes nossos colegas:

What time is it?

Ledo engano de nosso sarado colega de pouca melanina. Ele não sabia que o indivíduo em questão chama-se Mateus Emerick, nobre macaense, professor de biologia e assíduo freqüentador do Jardim Botânico.

Mateus, automaticamente, irritou-se e disse, com ternura:

“Uatáimisiti é o cacete. Não sou estrangeiro, eu sou carioca, pô!”.

Tomado de um ufanismo desmesurado, meu caro amigo espanta o negão que vai embora descorçoado. Se eu fosse ele (o negão), pediria desculpas pela gafe e engataria uma conversa. Mas ele, coitado, além de não saber que Mateus é brasileiro é também, ao contrário da regra geral, culto.

Porque alguém que dialoga com Dostoievski, Platão, Voltaire e Drummond é, na minha modesta opinião, tudo, exceto ignorante. Faltou ao nosso anônimo crioulo conhecer este aspecto emerickiano, como também eu mesmo não conhecia. No começo eram aqueles óculos grossos e pernetas, parecia mais um velho aristocrata com seu monóculo e perguntas arredias nas palestras do SMS. Depois, veio a grata surpresa de uma conversa agradável, e como já disse, culta. Mateus é um sujeito que tem gabarito pra uma conversa de altíssimo nível.

Mas o anônimo afro, sem querer, trouxe uma contribuição imensurável: What time is it ou simplesmente “taimisiti” tornou-se um dos apelidos mais originais que já vi. E o pior: Totalmente explicável...!

...

Já o Chapa Grossa, bem...o povo não sabia que o cara, o grande Charles, tinha um certo Mestrado em Materiais e que sua pergunta tinha sentido, mas...quem quer saber se o duto é feito de chapa fina ou grossa? A galera é cruel, não perdoa. Charles destacava-se por sua altura e porque aparecia sempre com uma camisa preta com uma versão acadêmica para Gênesis 1:2 com a intragável equação de Maxwell. Ou seria de Plack? Achei aquela camiseta o máximo: “E disse Deus, haja luz e houve...(aí entrava a danada da equação)”

Nem mesmo a tentativa de batizá-lo de Zé Buscapé, dado às suas frases ininteligíveis pela polifonia das sílabas, pegou. Houve até quem criasse (leia-se Eduardo Magalhães & Douglas) a “melô do extintor de CO2“, relembrando o caquético Trem da Alegria, dos finados anos 80:

“O extintor é feito

De Chapa Grossa

De Chapa Grossa

O extintor é feito

De chapa grossa

Chapa, chapa, chapa grossa

Pra agüentar a pressão.”

Dá pra acreditar? Nem Freud explica certas coisas...

Marcelo Lopes
Enviado por Marcelo Lopes em 04/01/2008
Reeditado em 04/01/2008
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