Oásis
Não sei onde estava com a cabeça, quando eu decidi que seria uma boa ideia, realizar uma viagem de seis horas para outro Estado, em um ônibus escuro e frio, com um cacto dentro de uma bolsa. Bem que eu tentei posicionar da forma mais delicada possível no meu colo. De modo que ficasse também uma parte aberta e não muito sufocante. Não sei se a palavra certa seria dizer que eu subestimei ou superestimei meu cacto. Ele sempre foi tão forte e resistiu a tantas coisas comigo. Por isso, naquele momento, não imaginei, que minha ânsia de não deixá-lo para trás naquela jornada, seria o seu fim.
Essa viagem foi atípica de várias formas. Para começar, uma viagem só de ida, pelo menos, pelos próximos anos. O motorista acelerava demais e parecia não ter pena de passar por cima de buracos. Não poupando os sustos nem mesmo na subida da serra. O tanto que meu cacto chacoalhou naquela bolsa…
Eu poderia dizer que esse condutor desenfreado também foi culpado. Mas eu só estaria fazendo uma transferência para aliviar o meu remorso. Tudo bem que eu contava com uma viagem muito mais tranquila, sem tantas tribulações, como foi das outras vezes, em que eu era apenas uma turista e não carregava uma planta espinhenta no colo. Mas calhou de ser assim. A vida têm dessas surpresas.
Chegando em minha nova residência, exausta da viagem em claro, com o motorista e o cacto tirando meu sono, a primeira coisa que fiz, foi verificar como estava esse meu companheiro de jornada, desde 2018.
O cenário que vislumbrei foi de total caos. A terra revirada e entornada no fundo da bolsa. O cacto seco, como eu nunca tinha visto, mesmo nos meus momentos mais relapsos, em que passava da hora de molhá-lo. Começou então a minha saga em busca de salvá-lo, acreditando ainda que era possível. Terra nova no vaso, água, tirei as partes mais secas e amareladas como indicava um vídeo que assisti. Conforme os dias passavam, mais aumentava minha agonia, mas eu ficava ciente do meu erro, mais eu me torturava por minha burrice botânica.
Ah, meu querido amigo! Ele que me ensinou tanto sobre força e resistência, tombou pelo caminho. Lutou desesperadamente. Até enfim não aguentar mais o clima tropical e com poluição acima da média e o verão quente e chuvoso de fevereiro. Desconfio também que ele não resistiu a minha desvairada mudança, no meio da noite, parecendo mais uma fugitiva, cheia de malas, saindo de uma cidade bela e estranha para uma outra igualmente bela e disruptiva.
Quando dei por mim já estava cantando Fala, dos secos e molhados. Talvez , o meu erro foi não ter colocado a versão original, cantada lindamente por Ney Matogrosso. Ao invés disso, ofereci minha voz. Desafinada, aguda, embargada, dissonante, triste… “eu não sei dizer, nada por dizer, então eu escuto, se você disser, tudo o que eu quiser, então eu escuto. Fala….”
Daqui para frente sou eu, sem meu cacto. Que mesmo em sua morte me ensinou delicadamente, que às vezes precisamos atravessar desertos, mas que no fim sobrevive quem tiver um oásis dentro do peito.