Bolhas de Sabão
Uma vez vi o nascimento de um canguruzinho. Tá certo, não foi ao vivo e sim pela TV, mas acho que surtiu o mesmo efeito em mim como se estivesse sendo. Fiquei um pouco incomodada, confesso, talvez pela explicites da vida. Não estamos acostumados a vê-la em sua forma mais despida e vulnerável. Pelo contrário, nos enxergamos tão fortes e imbatíveis que esquecemos de como o início é tão frágil.
Assistir a esse nascimento me fez refletir sobre a vida. Não a vida que costumamos separar por hífens, casa-trabalho-trabalho-casa, mas sim a vida originária, essa que se faz sem vestes, quando simplesmente decide que quer existir. Aliás, acho que descobri o segredo da vida: querer existir. Reparem na minha observação: para haver vida, não basta existir, mas sim ‘querer existir’. E querer existir é algo tão minucioso e precioso que, se aquelas pessoas portadoras de corações mais gélidos conseguissem entender, talvez a matança gratuita fosse minimizada, senão extinguida. O ‘querer existir’ se faz com tanta delicadeza que muitas vezes não nos atentamos. É apurado demais às frações de segundos, enquanto nossos olhos parecem enxergar apenas o conteúdo que se faz em horas. Não temos a minuciosidade nos olhos que o ‘querer existir’ tem na intenção. Muitas vezes acabam, portanto, se perdendo. Um acontece sem o outro perceber.
Mesmo assim é belo. Quem nunca, quando criança, por falta do brinquedo preferido, ou pela facilidade da diversão, brincou de fazer bolhas de sabão? Eu adorava. Arrisco até dizer que era minha brincadeira preferida. Mas hoje sei que o prazer que eu sentia estava em enxergar o ‘querer existir’ da bolha de sabão. Você dá um sopro, como os anjos fazem em histórias de ficção quando querem criar algo, e lá começa a aparecer a pequena bolha. E são tão reais que a física lhes contribui com um pequeno arco-íris guardado às sete chaves em seu interior, dependendo da emoção do dia. É, a mim, um conto de fadas dentro de uma bolha de sabão. Lá, eu podia enxergar príncipes e princesas, cavalos brancos e carruagens, neve e lampiões. E nada de querer ultrapassar o limite do real com o imaginário: a bolha estouraria todas aquelas ilusões num piscar de olhos. É um aprendizado, se pararmos para pensar. Era como se a bolha pudesse, em minha língua, falar: “Não me tire o que não lhe pertence!”
E o que é que pertence a uma bolha de sabão? Ilusões, arco-íris, cavalos brancos? Não, isso pertence a nós. A uma bolha pertence o ‘querer existir’ que pertence a todas as formas de vida. Ela nasce fragilmente e se mantem por alguns segundos, seja pairando no ar, levada pelo vento, seja na ponta do dedo, sendo carregada como um troféu. A ela foi dado o sabor da existência e nela quer se firmar quanto mais conseguir. É uma corrida contra o tempo. Isso difere de alguma vida que você conhece? Não, todas as vidas são assim, independente do tamanho ou da função. Após terem o gosto da existência provado, a luta pela sobrevivência começa. E num período de tempo tão curto oferecem o melhor de si. Foi a convivência mais mágica e sincera que eu tive quando criança. Foi a relação mais duradoura que conquistei, pois aprendi, fazendo bolhas de sabão, que a permanência de qualquer coisa não está propriamente no tempo demandado, mas sim na veemência com que ela é transmitida a você.
Uma bolha, duas bolhas, três bolhas, sejam quantas forem, de que tamanho forem, bolhas de sabão também desfrutam do segredo da vida como qualquer ser com um coração batendo dentro de si. Desfrutam do ‘querer existir’ quando a chance lhes é dada. A física explica. A gente admira. E elas? Se multiplicam, como num sopro divino vindo de dentro de nós.