Entre Sem Bater - Mundos Possíveis

James Branch Cabell disse:

"... o otimista proclama que vivemos no melhor de todos os mundos possíveis; o pessimista teme que isso seja verdade ..."(1)

Autores ficcionais como James Branch Cabell podem, certamente, imaginar uma infinidade de mundos possíveis. Contudo, os limites que eles não respeitam, não são recomendáveis para debates reais. Desse modo, muito do que disse e escreveu o autor, cem anos depois, ainda povoa mentes de otimistas e pessimistas.

MUNDOS POSSÍVEIS

James Cabell era um autor escapista(*) e, desse modo, escrevendo no gênero fantasia, não entendia muito de realidade. Em outras palavras, podemos dizer que a sua fantasia alienante sobrevive, cem anos após, nas redes sociais. Os mundos possíveis, de antes e de agora encontram-se num dilema: Um mundo ideal ou uma prisão dourada?

Surpreendentemente, vemos crescer os comportamentos escapistas dos otimistas nas redes sociais, como se fosse solução. Aquele que adota um comportamento realista, passa a ser o pessimista(2) e outras qualificações pejorativas. Muitos acreditam que a profissão de "bom dia" e replicação de pensamentos otimistas mudam o mundo.

Desse modo, qualquer argumentação(3) realista ou racional, perde-se na polarização entre otimistas e pessimistas.

PARAÍSO MODERNO

A princípio, as redes sociais seriam um paraíso utópico, um espaço de conexão sem fronteiras, livre de amarras e censura. A promessa era de um mundo ideal, onde a informação fluiria livremente, as vozes se amplificariam e a comunidade floresceria. Os otimistas indicavam a democratização da comunicação e a construção de uma sociedade mais justa e igualitária. Entretanto, os pessimistas estavam certos em pensar que o melhor dos mundos possíveis era no passado.

Desde que a evolução das redes sociais superou os limites da sanidade, cordialidade e respeito, a realidade enfrenta os fanáticos.

O paraíso moderno apresenta, por exemplo, casos de alunos de uma escola de elite cometendo crimes como se fosse normal. Estes alunos utilizam inteligência artificial para criar imagens de suas colegas de escola e classe social nuas. E todos menores de idade, com a autorização dos pais para usarem e abusarem das modernas tecnologias.

Afinal, em quais mundos possíveis poderemos nos encaixar com alguma civilidade e respeito?

FANTASIA E ESCAPISMO

O mundo de cada um não é possível diante de mundos diferentes para cada cidadão. Desta forma,  a fantasia logo se dissipa, revelando uma realidade complexa e por vezes cruel. As redes sociais, antes vistas como ferramentas de emancipação, transformaram-se em instrumentos de controle e alienação. Algoritmos invisíveis manipulam o que vemos e consumimos, criando bolhas de informação que reforçam nossos próprios vieses. E, assim sendo, nos distanciamos cada vez mais da realidade e a polarização entre otimistas e pessimistas vira loucura.

A busca incessante por validação externa, por curtidas e comentários, alimenta uma cultura narcisista e egocêntrica. A comparação constante com vidas "perfeitas" e irreais, com edições e filtros, gera frustração, ansiedade e baixa autoestima. O medo de perder algo fantasioso nos prende em um ciclo viciante de consumo passivo de conteúdo. Desta forma, este comportamento nos leva à alienação e à perda de um tempo precioso de nossas vidas.

POLARIZAÇÃO

A polarização ideológica nas redes sociais, cria um ambiente hostil e tóxico, onde ao invés de diálogo temos ataques e ofensas. A desinformação(4) prolifera, alimentando o ódio e a divisão social. As fake news se espalham como rastilho de pólvora, manipulando a opinião pública e minando a confiança nas instituições.

A fantasia do mundo ideal nas redes sociais se estilhaça diante da realidade cruel da alienação, da manipulação e da polarização. Os mundos possíveis de cada indivíduo se tornam cada vez mais distantes, e viram bolhas de informação e identidade. A promessa de liberdade e conexão se transforma em uma jaula dourada, de pura ilusão de controle e felicidade.

A insanidade chega a limites de se escolher o país mais feliz do planeta. Como se não bastasse, criam o dia mundial da felicidade, com milhões passando fome e na miséria. Em síntese vivemos num mundo distópico onde se esconde a realidade e o vazio existencial é escapismo puro.

CULTURA DO REALISMO

A frase de Cabell deveria ter uma melhor interpretação neste mundo moderno. Neste sentido, alio-me aos pessimistas que tem a visão de que o melhor dos mundos possíveis é agora ou foi antes. Uma vez que estamos sob controle dos algoritmos e das redes sociais, só avançaremos nas utopias.

É urgente romper com a fantasia alienante das redes sociais e buscar uma relação mais saudável e crítica com essas ferramentas. Devemos ser conscientes dos algoritmos que nos manipulam, das bolhas que nos aprisionam e da desinformação que nos cerca.

Desse modo, é preciso:

. desenvolver senso crítico mínimo,

. ter fontes confiáveis de informação,

. diversificar o conteúdo que se consome,

. cuidar da veracidade do conteúdo que se compartilha.

O diálogo, a empatia e a tolerância são essenciais para combater a polarização e aceitar diferentes visões de mundo. Ao rompermos construirmos uma relação crítica com as redes sociais e seus personagens, entenderemos a citação de Cabell. Com toda a certeza, frases que inspiram algumas pessoas podem não mudar nem elas mesmas. As fantasias e escapismos, especialmente religiosas, não contribuem para mostrar a realidade e nossas tragédias.

A ideia de que sempre estivemos "ferrados" e que a realidade que agora presenciamos, a partir de muita informação, é um equívoco. Cada pessoa não pode pensar somente em seu mundo e suas idealizações, não é assim que se forma uma sociedade.

"... o otimista vê uma luz no fim do túnel, o realista vê um trem entrando no túnel, o pessimista vê um trem acelerando em sua direção, e o maquinista vê três idiotas sentados nos trilhos ..." (James Branch Cabell)

"Amanhã tem mais ..."

P. S.

(*) Escapismo é uma atitude comportamental que se apoia na fuga da realidade. Assim sendo, nos deparamos com um enorme paradoxo quando otimistas e pessimistas imaginam mundos possíveis.

(1) "Entre Sem Bater - James Branch Cabell - Mundos Possíveis" em https://evandrooliveira.pro.br/wp/2024/03/21/entre-sem-bater-james-branch-cabell-mundos-possiveis/

(2) "Entre Sem Bater - Jose Saramago - O Pessimista" em https://evandrooliveira.pro.br/wp/2023/02/02/entre-sem-bater-saramago-pessimista/

(3) "Entre Sem Bater - Joseph Joubert - A Argumentação" em https://evandrooliveira.pro.br/wp/2024/03/04/entre-sem-bater-joseph-joubert-a-argumentacao/

(4) "Entre Sem Bater - J. K. Rowling - A Desinformação" em https://evandrooliveira.pro.br/wp/2024/03/15/entre-sem-bater-j-k-rowling-a-desinformacao/