CIDADE SITIADA

Não tenho a menor ideia do que as pessoas no geral pensam a respeito do crescimento desordenado na ocupação do território carioca, sem qualquer respeito com a cota100, ou mesmo áreas propensas a alagamento decorrente da conjunção de chuvas intensas, com a preamar.

Hoje dependendo do bairro que você escolha como ponto de observação, a visão das montanhas ou mesmo das baixadas é tenebrosa, e devido à disposição do relevo esse cenário fica disponível, é triste em termos estéticos, e pior ainda sob o ponto de vista ambiental.

Todo mundo por aqui já está careca de saber, que tanto nestas encostas íngremes, quanto nas partes planas, onde nasceram e se expandiram comunidades, a precária infraestrutura que gera a curto, médio e longo prazo danos físicos à cidade, e o mais trágico nessa história, às consequências que impactam na saúde de seus moradores.

Como se isso não bastasse, três outras variáveis contribuem diretamente para infernizar a vida desses sofridos moradores, onde em muitas vezes respingam consequências até fatais, para o tecido formal de seu entorno imediato.

Hoje, são pouquíssimos os bairros que se dão ao luxo de não sofrer influência direta do triunvirato da violência, composto pela polícia, o tráfico e a milícia, que levam adiante uma batalha sem tréguas, e o pior sem fim. Entra década, sai década e as soluções são sempre paliativas, e se repetem, tornam a se repetir indefinidamente sempre se baseando no confronto. Parece que a inteligência, não faz parte das estratégias do combate a essa crescente violência urbana.

Num passado recente, ainda se podia definir um certo antagonismo, que tinha como premissa básica a seguinte expressão: “polícia é polícia, e bandido é bandido”.

Fruto dessa dualidade nasceu a milícia, uma espécie de polícia sem uniforme, que prometia defender sua comunidade, espantando não apenas o tráfico, e de tabela também a polícia, por falta de eventos que exigiria sua presença no local.

Essa gambiarra bem a brasileira, num primeiro momento cumpriu a sua parte, e deu tranquilidade a população local, desejo por tanto tempo almejada por quem mora em favela. Num primeiro momento, apenas comerciantes pagavam pela segurança de seus estabelecimentos, e claro, ninguém mais sofria assaltos, se algum incauto quisesse efetivamente testar a eficiência dessa política, não conseguiria se vangloriar do fato, pois a tal “polícia mineira” dispunha de solução rápida para o problema, e não escondia de ninguém o resultado final, pois “matava a cobra, e ainda mostrava o pau”.

O tempo passou na janela, e a milícia descobriu que poderia lucrar também com uma contribuição indireta dos moradores, afinal de contas, a segurança disponibilizada servia a todos, então o grupo passou a impor o imposto sobre bens indispensáveis, ou seja, o consumo de garrafão de água, do botijão de gás e dos gatonet, agora passava a ser monopólio dos protetores da comunidade.

Com o passar do tempo, o olho da milícia cresceu, e uma nova geração de milicianos floresceu em outras comunidades. O tráfico se sentiu ameaçado, e reagiu a sua maneira, para evitar essa nova concorrência de milicianos, onde o tráfico já estava historicamente estabelecido.

A partir deste momento, não bastava corromper a polícia para reduzir futuros conflitos. Uma nova força armada, aliás, bem armada e treinada, que contava em suas fileiras com policiais e ex policiais.

Como produto desse intercambio de interesses, acabaram de vez princípios e limites ancestrais, agora passou a valer tudo, com a polícia recebendo propina tanto do tráfico, como da milícia. O tráfico incorporara as mesmas artimanhas da milícia, e finalmente a própria milícia passou também a participar do já nem tão rentável mundo do tráfico.

O mapa atual da cidade conta limitadas áreas livres de conflitos e muitas outras onde balas perdidas constantemente encontram alguém para se alojar. Afinal, o fundo musical com a mesma nota ratátátá não soa como música no ouvido de ninguém.

E o pior disso tudo, governador, prefeito e vereadores continuam sendo eleitos naturalmente para governar esse território com mais de seis milhões de moradores, sendo que boa parte desse contingente sobrevive numa cidade sitiada.

A próxima eleição local poderia se transformar num estopim de protesto contra o faz de conta que transformou o desgoverno dos últimos seis ocupantes do Palácio Guanabara, e que acabam desembocando no colo do prefeito e também das concessionárias, que não tem mais a liberdade para exercer suas tradicionais funções.

Alcides José de Carvalho Carneiro
Enviado por Alcides José de Carvalho Carneiro em 20/03/2024
Código do texto: T8024205
Classificação de conteúdo: seguro
Copyright © 2024. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.