Crônicas das ruas de São Paulo - O motorista do uber
Crônicas das ruas de São Paulo
O motorista de uber
Sexta-feira (dia quatro de novembro do ano de dois mil e vinte e dois) me submeti a vários procedimentos médicos. Cheguei à Clínica antes das sete horas da manhã e saí às quinze horas da tarde. Estava exausto, cansado pelos procedimentos e por ter que compartilhar o ambiente da clínica com outras pessoas que batalham pela sua saúde e pela vida, como é o meu caso. Saí aliviado por algumas notícias e preocupado por algumas alertas, que parecem não serem muito sérias, mas sei que alerta em relação à saúde é sempre muito preocupante.
Chamei o uber. Aparece em um carro confortável um motorista muito bonito. É sempre bom viajar tendo como motorista um homem muito belo. Não sei explicar por que ocorre essa sensação. Cumprimentei-o, sentei-me no banco detrás, perguntei se o destino conferia com o que havia solicitado e, como estava com muito cansaço, me silenciei. O motorista imediatamente pediu-me desculpas por não haver estacionado mais próximo a mim, pelo motivo de haver, em frente à clínica, uma ciclovia. Desculpou-se mais por ver que ando com o auxílio de uma bengala.
Depois disso o rapaz começou a conversar. Eu estava mais com vontade de ficar quieto, porém, senti que sua conversa era muito agradável e por demais diferente de seus colegas de aplicativo. Em meio ao nosso diálogo, inesperada e surpreendentemente fez-me uma pergunta:
- Para o senhor, o que é a felicidade?
Não me lembro de ninguém ter apresentado para mim essa questão e me fez pensar e refletir. Confesso que essa não tão simples indagação me retirou da circunscrição das minhas apreensões em relação à minha saúde. Me transportou para pensar muitas coisas. Cheguei a pensar em discorrer um pouco sobre o que Aristóteles escreveu sobre o tema. Concluí que não era o momento. Até disse ao motorista que era uma pergunta singular e que me pegou desprevenido. Porém, daquilo que pensei no momento, respondi:
- Felicidade é escrever uma poesia e sentir que ela tocou algum amigo.
No entanto, completei:
- É mais. É degustar um bom vinho. Saborear uma boa comida. Abraçar uma amiga ou um amigo. Sorrir para uma criança. Ouvir uma bela canção. Admirar o canto de um pássaro. Fazer carinho num cachorrinho ou num gatinho. Enfim, há muitas coisas que a gente pode falar sobre a felicidade.
Daí me lembrei que em qualquer dos diálogos platônicos de Sócrates, se eu respondesse assim iria ser confrontado por não ter chegado ao conceito, só haver dado exemplos contestáveis da essência da coisa.
O motorista platônica e aristotelicamente me respondeu:
- Então, o senhor descreveu momentos felizes.
Quebrou meu orgulho de filósofo. E completou:
- Embora seja a descrição de momentos felizes ela dá um sinal do que seja a felicidade.
Todo esse diálogo ocorreu pela região central de São Paulo quando me encaminhava da clínica médica para minha casa.
No final eu disse ao motorista:
- Inesperadamente, depois de um dia difícil, você me proporcionou mais um desses momentos felizes, por ter me proporcionado esse diálogo.
Rodison Roberto Santos
São Paulo, 07 de novembro de 2022