Hipocrisias da guerra

“Convocação Militar: Idosos, crianças e mulheres, fiquem em casa! Estamos convocando os homens desta cidade para nos representarem na guerra. Precisamos que todos aqueles com 18 anos completos vistam a camisa do ódio, calcem as botas da coragem e peçam a benção a seus pais, deem um beijo em seus filhos e digam ‘cuidado’ às suas esposas.

Apenas os homens devem estar com as malas prontas, a partir da zero hora de amanhã, pois nosso bonde partirá rumo à glória. Vamos todos, com rancor e idolatria, dizer a eles que estão errados. Não há misericórdia e nem bandeiras brancas para selar a paz. Apenas retomem daqueles desonestos este pedaço de estrada, façam que nos supliquem desculpas por suas crenças erradas e eliminem desse mundo qualquer ser humano que não seja tão bom quanto você.

Chegando lá, não há tempo para saudades. Não tem conversas e nem pretextos. O nosso diálogo será em trincheiras, com o gosto do café amargo misturado ao do medo. Vocês conhecerão homens que choram, ouvirão sons de arrependimento, gritos de dor. Mas não se abalem, isso tudo vai passar.

Quando alcançarmos nosso objetivo, retornaremos ao posto inicial, com um sorriso no rosto e o sentimento único de dever cumprido. Após dias de sangue e batalha, faremos a viagem de volta nos vangloriando pelas estratégias bem-sucedidas e cuspindo vantagem aos inimigos que foram eliminados.

Haverá, sim, lamentações, pois perderemos alguns dos nossos combatentes para o horror que consumia o outro lado da montanha. Mas não fiquem pensativos. Estes faleceram defendendo seu estado, cumprindo a digna missão de salvar o seu país das terríveis ambições opositoras.

Voltaremos com uma bagagem lotada de conhecimento, ostentando os milhares de capacetes que conseguimos derrubar. Em casa, há comida pronta no fogão e uma cama quente esperando por vocês. Durmam, pelo resto de seus dias, tranquilos no travesseiro da consciência e façam dos sonhos e pesadelos, livros, filmes, documentários... Histórias de suas vidas.

Fiquem atentos: nós não negociamos acordos de trégua.

Partiremos a partir da zero hora de amanhã. Todos os homens, com 18 anos completos, devem estar de malas prontas. Deus esteja conosco”.

Na guerra, tudo morre: a moral dos homens, os homens. Idosos, crianças e mulheres também se vão... Prédios e árvores desmoronam. Tudo está morto.

A terra onde a bomba cai nunca mais será fértil.

Kallil Dib
Enviado por Kallil Dib em 18/03/2024
Código do texto: T8022753
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