BLOW UP!
Na minha adolescência, a exemplo dos demais da minha faixa etária, eu ansiava por ser adulto o mais rápido possível para também fazer em liberdade as coisas a eles permitidas. Nossos devaneios eram apenas o básico, naquela época os sonhos eram menos épicos e nada mirabolantes, resumindo-se tão-somente em fazer um curso superior, conseguir um bom emprego e casar com a moça mais bonita da cidade. Pronto, nada mais. Ah!, sim, e assistir aos filmes proibidos para menores de dezoito anos. Sim, porque a proibição existia mesmo e era cumprida à risca, ninguém abaixo dos dezoito entrava no cinema para assistir aos filmes vetados pela censura à nossa idade. Havia até um fiscal carrancudo na entrada do cinema a cada filme proibido, que exigia a carteira de identidade se desconfiasse da idade de alguém. Dificilmente havia quem lograsse enganá-lo, raramente, eu diria. E como tudo que é proibido aguça o desejo, nós queríamos atingir logo a idade legal para ver e ter o que nos era vetado pela censura.
Lembro de uma cena de um filme, cujo nome já está perdido no recôndito de meus arquivos cerebrais encobertos por teias de aranhas, que ouriçou a rapaziada presente e tingiu de rubor as faces inocentes das garotas. Foi no antigo Cine Caiçara, no tradicional “vesperal” de domingo. Não sei por que cargas dágua o mínimo da cena do filme que ficou na memória foi o momento em que a mocinha fazia o lindo e arrepiante gesto de tirar a blusa olhando sensual para o sortudo do “artista”, o que finterpretava o "mocinho", então a câmera fazia um corte e súbitamente focalizava, para desespero nosso, somente a parte de trás das pernas dela, porém mostrando apenas das panturrilhas para baixo. Em dois segundos de suspense e sufocante emoção, a boca seca e os olhos desmesurados, víamos maravilhados a roupa dela cair sobre seus pés, e, ato contínuo, ela começava a andar vagarosamente para a cama, ocasião em que nos era dado admirar apenas esse pequenino detalhe enquanto torcíamos por um erro da fita que nos fizesse ver um pouco mais do seu belíssimo corpo. Que desilusão! Nada além. Ficava só nisso mesmo, para nossa triste ansiedade aumentar.
Outro filme que tive muita vontade de assistir chamava-se Blow up, impróprio para menores de dezoito anos como dizia o cartaz e o fiscal não deixava mentir. Como era de esperar, não consegui ver a fita nem à época nem depois de alcançar a maioridade, nunca o encontrei nas locadoras até hoje. A mencionada fita foi exibida no antigo Cine Cid, em minha cidade, lembro bem, e, segundo as mínimas informações que li no cartaz exposto, tinha a ver com um fotógrafo profissional que, ao fotografar alguém num jardim ele captava, sem perceber a princípio, um crime acontecendo naquele momento. A imagem do crime, um pouco desfocada, aparecia bem por trás das plantas. Ou seja, era aparentemente a coisa mais inocente do mundo se fizermos uma comparação com a liberalidade hodierna. Porque bastava existir qualquer cena de um beijo mais picante ou de violência relativamente explícita para nos proibirem de ver. Daí a ansiedade para chegar à idade da razão e passar à fase adulta o mais rápido possível. Queríamos também experimentar as delícias próprias das pessoas maduras.
Mas assim é a vida, e desse modo certamente continuará a ser “per onmia saeculum saeculorum” se me permitem o pobre latim tosco e demasiadamente mal traçado. Quando o homem é bastante jovem para sonhar almeja desesperadamente o amanhã e praticamente não vive o hoje, o agora; amadurecendo, sente saudade da “aurora da sua vida, do tempo que não volta mais”, gostaria de voltar no tempo para ser novamente adolescente e entregar-se aos devaneios da primeira namorada, do primeiro beijo, do primeiro tudo. E também não usufrui o seu tempo com a intensidade pertinente. É a inconsistência humana, sua insatisfação e inquietude permanente. Queremos sempre o que não temos, e quando temos já não queremos tanto. Como se o prazer estivesse só no desejo de ter, não no possuir. Decerto faz parte.