UMA VIAGEM NO TEMPO

O dia amanheceu claro, prometia ir esquentando à medida que o sol fazia sua órbita cotidiana de verão. Para mim, essa manhã prometia muito calor, motivos alheios me levariam a resolver um problema em distante subúrbio da Zona Oeste carioca.

De Laranjeiras ao Centro, fiz o percurso de ônibus refrigerado em alguns poucos minutos.

Desci no terminal de ônibus contíguo à Estação Central do Brasil, além da sujeira típica desses pontos finais de ônibus, esta localidade do Centro me oprime com sua arquitetura pesada, que pelo menos em pensamento me remete a um período que associo ao fascismo.

O grande terminal ferroviário reforça essa convicção, e me traz recordações lá do final dos anos cinquenta e iniciozinho dos sessenta, quando parte do meu longo período de férias de verão eram passadas no longínquo bairro de Madureira, na casa da minha tia Isaura.

Então cruzávamos os amplos espaços da estação, que me encantavam pela luminosidade natural que fluía em seu interior. O comércio lá estabelecido disponibilizava ampla variedade de quitutes, para saciar a fome dos que iriam encarar longo tempo de viagem, naquela envelhecida frota de vagões descoloridos por fora e em boa parte depredados por dentro.

Invariavelmente fazíamos essa viagem aos domingos pela manhã, quando a movimentação de passageiros podia ser considerada ínfima, quando comparada com a verificada em dias úteis, com ênfase para os picos da manhã e o da tarde. Mesmo assim, as composições trafegavam cheias, função da redução de viagens, tão comum aos finais de semana e feriados, e o mais importante, praticamente não existiam linhas de ônibus ligando subúrbios ou a Baixada Fluminense ao Centro, concentrando a movimentação sobre trilhos.

Na chegada de uma composição, a plataforma era isolada, e a boiada passava apressada com intuito de ganhar a rua e prosseguir na direção de seu destino final. Lembro de ficar observando essa avalanche de gente fluindo como um rio, e por incrível que possa parecer, eram raros os indivíduos com algum sobrepeso, ou seja, naquele momento, nem nas camadas mais carentes da população prevaleciam corpos aparentemente sadios, independente da idade ou sexo.

Muitas décadas depois, me vejo novamente nesse mesmo terminal, o prédio não perdeu sua grandiosidade, apenas algumas poucas modernidades eletrônicas foram incorporadas aos acessos das plataformas. Hoje, a desorganização do espaço é latente, a limpeza deixa a desejar, a conservação de lustres idem e paredes dão a nítida impressão de que ficaram intocadas desde a minha última passagem por lá.

O que chama atenção é a frenética iluminação das lojas de diversificada oferta de bugigangas e alimentação predominantemente super processada, e alguns camelôs que se instalaram em definitivo, por vários pontos do terminal.

Agora ficou trivial esbarrar não apenas em gordinhos circulando no terminal, mas também obesos se tornaram usuários desse espaço de grande circulação de pessoas.

A burocracia no transporte público impede o usuário de transitar livremente entre os diversos modos para deslocamentos da metrópole, e para o trem não foi diferente, existe um cartão específico para liberar as catracas dos trens, além do cartão de ônibus, do metrô e das barcas.

Não entrava numa composição destas fazia algumas décadas, internamente a disposição dos assentos não se alterou, aquele cheiro dos transformadores elétricos continua o mesmo, também se mantém inalterado aquele som do atrito de metais e o eterno balançar da composição. A diferença gritante veio com o advento do ambiente refrigerado, agora, tenho lá minhas dúvidas, se o aparelho utilizado efetivamente consegue dar conta do contingente, que lá se compacta diariamente nos horários de pico.

Ao contrário do metrô, nos trens vende-se de tudo um pouco, e não existe repressão da concessionária, de alimentos e toda parafernália de equipamentos elétricos e eletrônicos. E foi assim que me tornei proprietário de um conjunto de chaves de fenda e Philips que veio acoplado a uma potente lanterna recarregável de lâmpadas led.

Levou pouco mais de uma hora, para enfim chegar ao destino da viagem, e sentir porque Bangu sempre lidera o ranking de temperaturas máximas da cidade.

Alcides José de Carvalho Carneiro
Enviado por Alcides José de Carvalho Carneiro em 16/03/2024
Código do texto: T8021309
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