Em Todos os Meses, um Pouco de Março
Estamos no mês das mulheres. Neste mês rendem-se homenagens, atos simbólicos são realizados em faculdades, empresas, associações, clubes, igrejas e, como não poderia deixar de ser, o comércio aproveita para capitalizar alto.
O simples pensar nas entrelinhas do parágrafo anterior, provoca em mim uma reflexão quanto ao valor dado às mulheres nos outros mais de trezentos e sessenta dias do ano. E desfilam pelas minhas lembranças, tantas mulheres comuns e suas lutas diárias.
Lembro-me daquela linda moça negra, usando vistosas tranças box braids com detalhes vermelhos, que ao responder à professora do ensino médio sobre a razão de não ter um caderno exclusivo e completo para a matéria de língua portuguesa e literatura, contou o seu drama de vida. No período da manhã, cursava o ensino técnico de enfermagem e, com o pouco que recebia trabalhando como babá no período da tarde, priorizava a compra dos materiais do curso, pois era ali que estavam as suas esperanças de um futuro melhor.
Num evento de homenagem às mulheres, ouvi o testemunho de uma profissional altamente qualificada que, ao tomar a palavra numa reunião com clientes, precisou se impor com certa dose de energia para poder ser ouvida, ao perceber que era interrompida, sem constrangimentos, pelo público majoritariamente masculino, todas as vezes que tentava falar.
Presenciei de perto a vida daquela que não soube ser apenas “Maria”, quando o casamento de mais de trinta anos chegou ao fim. O peso de não ser “Maria de...” foi demais, mergulhando-a num processo depressivo que se tornou um fardo pelo resto da sua existência.
Olho as adolescentes e suas risadas espontâneas nas portas das escolas. Todas sonham, com menor ou maior grau de entendimento quanto aos desafios futuros. Sonham seus amores, suas viagens, seus sucessos. Algumas sonham filhos. Que bom que têm coragem de sonhar, como, há 40 anos, cantou o Pe. Zezinho! Quando as vejo, desejo que cada menina encontre motivos para sorrir e ser feliz. Que pena que haverá lágrimas em alguns dias!
Elas estão nos plantões das casas de saúde, nos caixas dos supermercados ou nos balcões das lojas, nas barracas das inúmeras feiras, nos salões de beleza, nos escritórios, nas posições de poder, nas ONGs, nos partidos, nas casas legislativas e nos empreendimentos autônomos. Estão nos lares, cuidando da casa e dos filhos, e estão nas escolas e creches, cuidando de outros filhos como se seus fossem.
Elas também estão nas canções, nos versos de tantos poemas, nas linhas e cores de tantas pinturas, na inspiração dos romances, açucarados ou dramáticos, ao longo dos tempos. Elas inspiram tanto pela naturalidade da sedução, como também pela força que possuem.
Que o mês de março continue a ser um marco, um mês festivo, e que cada homem valorize as mulheres que os cercam em todos os dias de todos os anos. Que as mulheres se reconheçam no seu lugar de valor e se unam às outras mulheres para ocuparem os espaços de resistência, com o encanto, a suavidade e energia que lhe são próprios e que têm a capacidade de abrir caminhos e transpor obstáculos.
Texto escrito para a coluna A Poética do Olhar, do blog Bendita Existência (www.benditaexistencia.com.br)
Imagem: Revista Educação Pública