Entre Sem Bater - A Desinformação

J. K. Rowling disse:

"... a desinformação ideologicamente motivada não é jornalismo ..."(1)

Uma escritora especialista no gênero fantasia, como é J. K. Rowling, sem dúvida, tem know-how quando se trata de desinformação, meias-verdades e mentiras. Por mais paradoxal que possa parecer, a frase-chave deste texto, revelou um momento da escritora de muita irritação. Com toda a certeza, sua crítica ao jornalismo(*) pode se estender para a mídia e as redes sociais. Portanto, Joanne tem muitas outras frases e personagens, para momentos de fantasia.

A DESINFORMAÇÃO

Em primeiro lugar, sou do tempo em que tínhamos a mentira, a verdade ou mais de uma versão. Desse modo, a utilização do termos desinformação, em registros confiáveis, é um fenômeno relativamente recente. Ficou muito fácil praticar a destruição da verdade(2), para construir mentiras os recursos estão amplamente disponíveis.

O termo “desinformação” deriva-se, a princípio, de uma palavra russa, “dezinformatsiya”, e há relatos de que Joseph Stalin a cunhou. É provável que a União Soviética foi pioneira no uso de informações falsas como uma arma de influência nos anos 1920. Ocultar a informação é diferente de praticar a desinformação e o uso político parece ser um grande motivador.

O uso frequente do termo tem ocorrências no início deste século, com a explosão das redes sociais como Orkut e outras. A princípio, eram notícias falsas ou hoaxes, com verificações e denúncias rápidas. Surpreendentemente, ainda hoje muitas mentiras ressurgem e os neófitos nas redes sociais compartilham como se fosse verdade. Assim sendo, ficou cada vez mais evidente que estávamos diante de um sério problema no manuseio das informações.

“Fake news”, é um apenas aspecto da desinformação e se popularizou, sobretudo, durante a campanha para as eleições presidenciais dos EUA de 2016. Donald Trump usou a expressão repetidamente para acusar de falsidade sobre as informações contrárias a ele. Entre 2016 e 2017, o uso do termo “fake news” aumentou 365% e, atualmente, substituiu o apontamento de mentira.

FATORES IMPULSIONADORES

As fake news ou mentiras expandem-se por encontrarem diversos fatores propícios à sua disseminação sem controle. Por isso, quando uma desinformação tem determinado planejamento, ganha o mundo em segundos. A indignação de J. K. Rowling, a partir de um caso específico, comprova que as fake news tiram qualquer um do sério.

Dentre os fatores impulsionadores da desinformação mais visíveis podemos citar:

1. Ascensão das Redes Sociais: Desde que as plataformas como Facebook, Twitter e WhatsApp, em 2010, se tornaram ferramentas poderosas para a rápida disseminação de informações, inclusive as falsas. A facilidade de compartilhamento e a falta de filtros rigorosos criaram um ambiente propício para a proliferação da desinformação.

2. Eleições e Eventos Políticos: Com as eleições no Brasil e nos Estados Unidos, em 2014, imprevistamente, a desinformação ganhou destaque como ferramenta de manipulação política. O uso de bots, campanhas coordenadas e notícias falsas para influenciar o voto e gerar divisão social tornou-se uma preocupação global. Um caso político na Europa que merece citação é o BrExit, que provocou sérios problemas para a Grã-Bretanha.

3. Pandemia de COVID-19: A pandemia, em 2020, intensificou, sem dúvida, a circulação de informações falsas sobre a doença, seus tratamentos e as medidas de prevenção. A desinformação teve um impacto negativo na saúde pública, dificultando o controle da pandemia e gerando desconfiança nas autoridades e na ciência.

4. Aumento da Consciência Pública: Gradualmente, a sociedade e as instituições reconheceram a gravidade da desinformação e seus impactos negativos na democracia, na saúde e na segurança. Isso levou a um maior investimento em iniciativas de combate à desinformação e à verificação de fatos.

MARCOS HISTÓRICOS

2016: A realização do referendo em junho de 2016, sobre o Reino Unido se separar da União Europeia provocou o caos nas

nações da Rainha.

2016: A campanha "Ele Não" no Brasil, que utilizou o WhatsApp para disseminar mensagens negativas sobre o então

candidato Jair Bolsonaro.

2017: A empresa americana Cambridge Analytica usou dados de usuários do Facebook para manipular eleições. O

escândalo intensificou o debate sobre o papel das redes sociais na disseminação da desinformação.

2020: A OMS declarou a desinformação como um dos maiores desafios da pandemia de COVID-19. A organização alertou

para o perigo das falsas afirmações sobre a doença, com o propósito de passar uma comunicação clara e transparente.

2022: Durante a campanha eleitoral presidencial, as mentiras sobre o voto eletrônico colocaram em risco o resultado das

eleições. Como se não bastasse, alimentou a manifestação de 8 de janeiro, na intenção de pavimentar um Golpe de Estado.

Anteriormente a estas datas, os registros sobre a influência das informações falsas são esparsas e de certa forma, amadoras. A partir da eleição estadunidense de 2016 é que os especialistas puderam mensurar o tamanho do estrago para a sociedade.

EFEITOS PERNICIOSOS

Inquestionavelmente, constatamos que a desinformação possibilita potenciais efeitos perniciosos como a seguir:

1. Riscos à saúde pública: A disseminação de desinformação pode trazer riscos para a saúde pública, como vimos durante a pandemia de Covid-19. Informações falsas sobre curas ou tratamentos levaram pessoas a receber medicamentos sem eficácia ou a ignorar medidas sanitárias importantes. Como se não bastasse, muitas pessoas aderiram ao movimento antivacina.

2. Incentivo ao preconceito e à violência: Informações falsas ou com distorção incentivam o preconceito, a violência e até mesmo provocam mortes. Problemas como a intolerância social, racial e religiosa provocaram o aumento de mortes no Brasil.

3. Impacto no processo democrático: As fake news afetaram várias etapas do processo democrático brasileiro e em outros países. Notícias falsas depois de sua divulgação, influenciam eleições e decisões políticas com base em informações enganosas.

4. Desvio de problemas importantes: A desinformação provoca o diversionismo, típico de maus políticos, de problemas importantes. Desse modo, prejudicam a qualidade do debate público e dificultam o acesso à verdade de cada localidade. O debate estéril de problemas que não dizem respeito à nossa sociedade reforçam a política da ignorância. Por exemplo, a discussão sobre as guerras entre Rússia e Ucrânia ou na Faixa de Gaza, são aberrações na política nacional.

5. Instabilidade política: A desinformação leva à instabilidade política e a episódios truculentos. Por isso, constatamos sua utilização como alicerce para campanhas políticas e formas autoritárias de governar.

6. Manipulação da opinião pública: A utilização de informações falsas é ferramenta ágil para manipular a opinião pública. Um político se dizendo no direito de liberdade de expressão, ameaça a estabilidade e o funcionamento adequado da sociedade com uma mentira.

COMBATE À DESINFORMAÇÃO

Embora a maioria da mídia, dos jornalistas e defensores da comunicação confiável trabalhem contra a desinformação, a guerra é desigual. Produzir uma fake news é, com toda a certeza, menos trabalhoso do que verificar fontes de informação e checar fatos. Desta forma, é impossível a verificação das postagens que vem e vão nas redes sociais. Desde que uma informação falsa é objeto de compartilhamento não tem mais volta.

Entretanto, se cada pessoa se conscientizar e praticar algumas ações simples, alguma coisa pode mudar, para melhor. Além disso, alguns comportamentos gerais proporcionarão melhor ambiente e relacionamentos no mundo digital.

Podemos indicar que algumas ações a seguir são bastante positivas.

* Verificação de fatos - Agências de checagem de fatos e iniciativas de verificação de conteúdo são essenciais para combater a desinformação. Oriente-se por quem faz jornalismo com checagem de fatos e demonstração da realidade.

* Educação midiática - É fundamental educar a população sobre como identificar e evitar a desinformação. Desenvolver o senso crítico, habilidade de pesquisa e mudança em relação às bolhas de informação é essencial.

* Regulamentação das plataformas digitais - Governos e plataformas digitais devem implementar medidas para reduzir a disseminação da desinformação. A atuação das autoridades e plataformas com a rotulagem todo conteúdo falso e a limitação do alcance de contas e perfis falsos é necessária.

NUNCA MAIS...?

Em suma, somente a expansão do uso do termo "desinformação" já reflete o aumento dos impactos negativos para a sociedade. Combater a desinformação é um desafio planetário e que exige o engajamento de governos, plataformas digitais, mídia e cidadãos. A desinformação e a meia-verdade(3) são muito piores do que qualquer mentira, pois aqueles que acreditam a repetem à exaustão.

É importante lembrar que a melhor defesa contra a desinformação é, primordialmente, a educação e o pensamento crítico. E, parafraseando um pesquisador emérito, " ... quando alguém cai ou se deixa levar por uma fake news, ele nunca mais se levanta ...". Eu acrescentaria que aqueles que compartilham mentiras, uma vez que caíram de quatro, nunca mais serão bípedes.

"Amanhã tem mais" ...

P. S.

(*) É completamente inadmissível que jornalistas emitam opinião como se fosse algum fato ou informação com verificação e confirmação. Isso é, acima de tudo, canalhice cuja práxis está presente em canais de influenciadores e até na mídia tradicional.

(2) "Entre Sem Bater - Bill Clinton - Destruição da Verdade" em https://evandrooliveira.pro.br/wp/2024/01/13/entre-sem-bater-bill-clinton-a-destruicao-da-verdade/

(3) "Entre Sem Bater - Alfred North Whitehead - Meia-Verdade" em https://evandrooliveira.pro.br/wp/2023/05/06/entre-sem-bater-alfred-north-whitehead-meia-verdade/