63 ANOS DEPOIS

63 ANOS DEPOIS.

Após concluir o primário, entrei para o Ginásio Estadual Plácido de Castro em Rosario do Sul.

Era o ano de 1961 e, naquele tempo, não havia escolas particulares, como existem hoje, onde os que tem mais posses matriculam seus filhos, mantendo-os juntos com outros alunos das mesmas classes sociais e, principalmente, fugindo da má qualidade do ensino público, que de norte a sul está presente em nosso país.

Naquele tempo todo o ensino era público e de excelente qualidade e nele entravam alunos oriundo da classe rica, classe média e, como era o meu caso, de classe pobre.

Na minha turma 11, do primeiro ano tinham guris e gurias filhos e filhas de fazendeiros abastados, de médicos, de advogados, de empresários e, também, muitos guris e gurias, pobres como eu, filhos de trabalhadores da Cia. Swift do Brasil e de outras pequenas empresas, de diversos ramos de atividade.

O uniforme para os guris e para as gurias, os tornava todos iguais e merecedores de receberem, como de fato recebiam, orientações pedagógicas de excelente qualidade.

A turma 11 do primeiro ano, como todas as outras era mista e tinha, entre a gurias, algumas muito bonitas e de refinado trato, eis que vinham de famílias ricas da minha terra.

Já no primeiro dia me apaixonei por uma guria loira cujo sorriso esta permanente no seu rosto e cujos olhos brilhavam de uma maneira espetacular.

Bem mais alta do que eu, usava cabelos compridos que, caídos nos ombros, emolduraram sua figura como se fosse uma rainha.

O uniforme, que tornava as outras iguais, lhe conferia um certo ar de dignidade e distinção e parece que brilhava revestindo seu corpo.

Quando falava se expressava por um vocabulário extremamente elegante, sem ser arrogante, utilizando-se de palavras corretas e que, pronunciadas por sua voz, se transformavam em melodias que me inebriavam os ouvidos.

Quando caminhava, à sua elegante maneira, parecia uma mis, desfilando em uma passarela.

Dotada de extremos princípios de cortesia, encantava os colegas , os professores e a todos com quem falava.

Era impossível não a notar e não admira-la, fatos estes, que aumentaram e minha adoração por aquela guria de qualidade e de beleza espetaculares.

Fomos colegas até o terceiro ano – turma 33 – porque no inicio da quarta série, eu me transferi para o turno da noite em virtude de ter arrumado um emprego como continuo contrato do Banco da Provincia.

E mesmo deixando de vê-la diariamente a minha paixão secreta não diminuiu.

Ela nunca soube que eu a adorava e eu nem poderia imaginar que ela soubesse pois, com certeza, educadamente, com um lindo sorriso no rosto, me diria que a nossas diferenças, físicas, culturais e de classe social, eram incompatíveis com uma relação de namoro.

Pela ausência de contato diário e por circunstâncias de nossas vidas nunca mais nós nos vimos e a paixão da adolescência tomou o lugar que tomam todas a paixões dessa fase da vida.

Em 1971 me apaixonei pela Ana Maria, casamos, tivemos filhos e netos fomos muito felizes, até que um dia em novembro de 2020, de repente, ela partiu para o universo do desconhecido e do misterioso.

Acredito que guria por quem eu fui apaixonado tenha também casado, tido filhos e netos e hoje é uma mulher madura e feliz.

Com uma pessoa como ela, não pode ser diferente.

Na noite desta quarta para quinta feira eu custei um pouco a dormir.

Pois,acreditem que em um sonho em que estava no meu escritório, ouvi quando bateram a porta e ao abri-la deparei-me com uma jovem que me pareceu familiar.

Custei a reconhecê-la e só vi quem era quando ela, ao me cumprimentar, pediu licença para entrar.

Concordei e ofereci-lhe uma cadeira à frente de minha mesa.

- Erner eu vim de muito longe para te dizer que te amo e quero namorar, contigo, independente das nossas aparentes diferenças.

Acredito que ela em sonho, também, estava me vendo como o jovem colega de 1961.

Não tive tempo de responder porque me acordei.

Fiquei imaginando o que eu teria lhe dito, se o sonho tivesse continuado , por mais tempo,e confesso , não achei a resposta.

Acordado, me encontrei pensando sobre os mistérios da vida, expressos pelos complexos mecanismos de nossa mente.

Só me restaram perguntas, para as quais não tive resposta.

Será que ela soube que, um dia, há 63 anos fui apaixonado por ela?

Qual o sentimento que ela tinha, por mim, naquele tempo?

Será que me considerava algo mais que um simples colega?

Será que, em algum tempo, no passado ou presente, ela falou comigo, de maneira não física, e eu lhe disse que lhe admirava?

Não sei! Só sei que o sonho desta noite me deu a certeza de que amor, mesmo que platônico e impossível, que dedicamos às pessoas tem um poder imenso e que, por isto, é capaz de fazer milagres e nos deixar surpresos perplexos e maravilhados ,mesmo que isto aconteça, depois de passado muito tempo...

( Recanto do Erner e da Ana 14/03/24- Capão Novo)

ERNER MACHADO
Enviado por ERNER MACHADO em 14/03/2024
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