A morte do defunto
Correu boato - breve, é verdade - de meu próprio passamento.
A divulgação de texto de minha autoria, sobre a morte hipotética de Advogado dedicado e
alienado, lida de açodamento, gerou a fatídica notícia.
Morreu; não haverá missa de sétimo dia!
Foi grande a comoção. Quiseram, logo, saber, os amigos:
_ Morreu?
_ Morreu, mesmo?
_ Como, assim?
_ Morreu, de que?
Recebi a notícia com certo espanto. Não esperava ir tão cedo.
Fui, logo, perguntando:
_ Eu?
_ Morri?
_ Como, assim?
_ Morri, porque?
Cheguei a sentir pena de mim mesmo.
_ Tão moço, coitado - pensei!
_ Tão sério, gente boa; vai deixar saudade!
Cheguei a chorar, confesso. Uma lágrima rolou sem que eu pudesse evitar.
Lembrei-me da última vez que havia estado com o falecido. Moço bacana, reservado, de poucas palavras. Conhecido meu de longa data. Um amigo, arrisco a dizer.
Havia estado muito ocupado, ultimamente.
Talvez por isso, nossa relação estivesse menos
estreita do que no passado. Já não nos encontrávamos com tanta frequência. Não nos
falávamos, como antes. Já não éramos tão íntimos, como havíamos sido.
Não tinha tempo.
Da última vez que nos falamos - nem me recordo bem quanto tempo faz - senti falta da cumplicidade que sempre marcou a nossa relação. Notei que o agora defunto não dava muita atenção às minhas palavras. Parecia nem querer me ouvir. Na verdade, não me escutava, atento que estava a outros assuntos, aparentemente mais relevantes.
Lembro-me que cheguei a tentar estar com o de cujus, em outras tantas oportunidades, mas o finado nunca tinha tempo. Agenda cheia, compromissos, coisas do gênero.
Com o tempo, fomos nos distanciando, e deixamos de ser amigos. Meros conhecidos foi o
que passamos a ser.
Já não nos falávamos, não nos encontrávamos, mais. Nossas próprias ocupações nos impediam.
Mas, agora, a notícia da morte do defunto, recebida, assim, de sopetão, me comovia a tal
ponto, de eu me questionar, com severidade e certa dose de emoção, se eu havia sido
negligente com o amigo.
Sentia, agora, grande remorso. Minha consciência me dizia que eu não podia ter me afastado do defunto, que isso não era papel de quem tinha sentimento, de quem fosse amigo, de verdade.
A notícia da morte me fez refletir sobre quantas vezes o defunto havia cuidado de mim. Quantas vezes ficamos até tarde da noite a discutir sobre questões da vida. Quantos problemas dividimos!
Éramos tão íntimos que parecíamos saídos da mesma mãe.
Não havia perdão para meu comportamento.
Tomado, ainda, pela comoção, recebi visita inesperada: o próprio defunto, quem diria!?
Em carne-e-osso, ali, na minha frente, negava os fatos.
Morreu, nada!
Estava mais vivo do que nunca. Estava, ali, a me encarar, com olhar de acusação, como que a me perguntar as razões do meu afastamento.
Sem muitas palavras, abraçamo-nos, e choramos.
Longo e sentido abraço. Abraço de velhos amigos que se reencontram, depois de muito tempo.
Nada dissemos. Apenas nos olhamos, com o velho ar de cumplicidade que era próprio de nós dois.
Daquele dia em diante, decidimos nunca mais nos afastar, um do outro.
Decidimos nos reencontrar, muitas vezes.
Decidimos restabelecer o diálogo que era a marca da nossa existência.
Decidimos nos falar mais vezes, debater os assuntos de nosso interesse, mais amiúde.
Assumimos o compromisso de nos encontrar com maior frequência.
Aceitamos que não podíamos mais viver, um separado do outro.
Afinal, ainda estávamos vivos.