Segunda instância
Cumpria religiosamente os prazos que se lhe submetiam aos cuidados. Advogado zeloso que era, não se dava ao luxo de perdê-los: cumpria cada um com voracidade sem par. Não importava o tamanho. Fosse ele de horas ou dias, seria cumprido. Não trabalhava com a hipótese de ter que responder pela perda de um deles.
Às voltas com os processos que acautelava, não percebia que sua própria vida também tinha prazo. Não conseguia ver que as páginas dos processos, antes claras, tornavam-se amareladas,
com o passar do tempo, e que seus cabelos, antes escuros, eram, agora, grisalhos.
Continuava cumprindo prazos – um após o outro, numa interminável e monótona rotina cotidiana. Por anos a fio não teve férias. Quando muito, sucumbia à tentação de deixar, por alguns escassos dias, os processos e prazos sob os cuidados de um ou outro colega que, da mesma maneira, envolto com prazos a cumprir, se encarregava de dar vazão ao trabalho que havia de ser feito.
Não atentava para as insistentes intimações que o próprio corpo, por vezes, lhe fazia. Não observava que, no canto dos olhos, surgia uma ou outra ruga; não via que, cansados, mãos, braços e pernas já não suportavam, com a força de outrora, o peso dos anos.
Tão atento esteve aos prazos processuais, que acabou não percebendo os prazos vitais.
Certa feita, enquanto cuidava de cumprir mais um prazo, recebeu sentença condenatória inapelável: morreu entre o monte de papéis e processos. Nem recorrer tentou. Aceitou passivamente a decisão. Não gemeu. Apenas abraçou os autos de um processo que as mãos ainda alcançavam.
Deu um último suspiro e ascendeu à segunda instância, levando consigo derradeira preocupação: quem daria cabo dos prazos que ainda haviam de ser cumpridos?