Entre Sem Bater - Os Jornais

Malcolm X disse:

"... se você não for cuidadoso, os jornais farão você odiar as pessoas que estão sendo oprimidas, e amar as pessoas que estão oprimindo ..."(1)

Alguns pensadores, autores de frases e citações, estarão presentes em muitos textos nesta série "Entre sem bater". De acordo com a proposta desta trilha, o objetivo é provocar o debate e o contraditório. Malcolm X não era um pensador acadêmico(*), ele simplesmente falava aquilo que vinha do coração e de suas lutas. Desta forma, a práxis dele deveria ensinar muitos cidadãos do planeta sobre temas como racismo, religião, preconceito e outros.

OS JORNAIS

Muitas teorias que vemos nas frases de pensadores, inclusive aforismos e paráfrases, não passam de material de mobilização. O que dizem as redes sociais, na maioria das narrativas, não se encaixa(2) na vida real. Por isso, as frases de Malcolm X em seus discursos vão muito além de qualquer filosofia ou pensamento de rede social. Surpreendentemente, os adoradores das mensagens instantâneas comprovam a teoria de Malcolm X em "Alma Mater"(3).

Em 1963, quando Malcolm X proferiu seu discurso "A Mensagem para a América", a imprensa era um gigante monolítico. Jornais, rádios e a televisão ditavam o ritmo da informação, moldando a opinião pública com uma força inigualável. Naquele contexto, Malcolm X denunciava a hipocrisia da mídia, sua cumplicidade na perpetuação do racismo e a omissão das lutas por justiça e igualdade.

Desde que se passaram seis décadas, o panorama da comunicação se transfigurou e outros canais assumiram papel relevante na comunicação de massa. A Internet e as redes sociais democratizaram o acesso à informação, criando um universo plural de vozes e perspectivas.

Quando traduz-se parte do discurso de Malcolm X, como na frase-chave, por jornais, é preciso entender que era este o principal meio de comunicação. Analogamente, é como se generalizássemos hoje em dia, a comunicação como redes sociais e portais de notícias. O canal de comunicação mudou, mas o conteúdo piorou muito, proporcionando uma verdadeira inversão da realidade na comunicação. Pulitzer, com toda a certeza, estaria se revirando no túmulo com o que acontece, atualmente, com a imprensa cínica(4).

TRECHO DO DISCURSO DE MALCOLM X

O texto a seguir é parte do discurso de Malcolm X, do qual a frase-chave é uma parte.

"... A imprensa é tão poderosa em seu papel de criação de imagem que pode fazer com que o criminoso pareça ser a vítima e

fazer com que a vítima pareça que é o criminoso. Esta é a imprensa, uma imprensa irresponsável. Isso fará com que o

criminoso pareça que é a vítima e fará com que a vítima pareça que é o criminoso. Se você não tomar cuidado, os jornais

farão com que você odeie as pessoas que estão sendo oprimidas e ame as pessoas que oprimem.

Se você não tomar cuidado, porque já vi alguns de vocês presos naquele saco, vocês fogem se odiando e amando o homem -

enquanto pegam o inferno do homem. Você deixa o homem te levar a pensar que é errado lutar com ele quando ele está l

utando com você. Ele está lutando com você de manhã, lutando com você ao meio-dia, lutando com você à noite e lutando

com você no meio, e você ainda acha que é errado revidar. Por que? A imprensa. Os jornais fazem você parecer errado..."

Discurso no Audubon Ballroom no Harlem (13 de dezembro de 1964), posteriormente publicado em Malcolm X Speaks: Selected Speeches and Statements (1965), editado por George Breitman, p. 93

INVERSÃO DA REALIDADE

Atualmente, qualquer pessoa com uma conexão à Internet publica suas opiniões e narrativas para o mundo inteiro ver. Se por um lado isso democratizou a disseminação de informações, por outro lado, abriu as portas para a desinformação e discursos de ódio. A junção da imprensa cínica de Pulitzer, a falta de ética das redes sociais e os opressores determinam a inversão da realidade.

Desse modo, assim como a imprensa na época de Malcolm X, as redes sociais hoje têm o poder de moldar a percepção pública. Elas podem, com toda a certeza, amplificar vozes marginais, mas também espalhar preconceitos e estereótipos. A irracionalidade que Malcolm X observou na imprensa de sua época agora se manifesta em narrativas das redes sociais. Infelizmente, a maioria das pessoas aceitam a exposição frequente, de forma passiva, onde opiniões reforçam suas próprias crenças.

Nesse ínterim, a idolatria aos opressores e a demonização dos oprimidos que Malcolm X criticou em seu discurso estão presentes e fortes. As redes sociais glorificam figuras autoritárias, tiranos e marginalizam qualquer um que se opõe às oligarquias e seus vassalos. Desta forma, as vozes dos que sofrem opressão se calam ou são vítimas de distorções e paralogismos.

É importante lembrar que, assim como a imprensa e jornais na época de Malcolm X, as redes sociais são apenas ferramentas. Elas podem ter ampla utilização tanto para o bem quanto para o mal. A responsabilidade de usá-las de maneira ética e justa recai sobre todos nós.

Analogamente, o poder da imprensa, desde Malcolm X, e o papel das redes sociais é perfeitamente compreensível. Como se não bastasse, é um lembrete da luta sanguinária contra a opressão e a injustiça que avança. É uma luta que requer vigilância constante, pensamento crítico e a coragem de desafiar as narrativas dominantes e inebriantes.

OPINIÃO PÚBLICA E JORNAIS MODERNOS

Surpreendentemente, o que chamamos de opinião pública sofre sérias contaminações pelas publicações de senso comum. O papel dos jornais, digitais ou impressos, ganhou novos protagonistas. Inquestionavelmente, muitos destes protagonistas, que podem ser influenciadores ou coaches são, em sua maioria, lixo puro. Entretanto, eles têm o poder de influenciar as pessoas e são verdadeiros oportunistas no Século XXI. Desde que surgiram as redes sociais e os perfis do mundo digital, ficou impossível separar o trigo do joio.

PODER DE INFLUENCIAR

Inegavelmente, desde a era dos jornais de tipografia, a mídia tem o poder de influenciar a opinião pública de várias maneiras, quais sejam:

1. Seleção de Notícias: A mídia (digital e tradicional) certamente decide, através de algoritmos, quais histórias serão a notícia do dia. Ao escolher destacar certos temas e ignorar outros, a imprensa determina a pauta para moldar a agenda pública.

2. Abordagem dos Temas: A forma como um tema tem sua apresentação nas redes sociais, influencia a percepção do público. Por exemplo, a cobertura jornalística é parcial e reflete os interesses dos proprietários dos meios de comunicação e do público-alvo.

3. Construção de Narrativas: Os canais de comunicação apresentam, sempre, as informações de uma maneira que favoreça uma determinada narrativa. Desse modo, inclui-se a escolha de fontes de informação, da linguagem e até a inclusão ou exclusão de contextos relevantes.

4. Propagação de Desinformação: Nas redes sociais, a disseminação de notícias falsas e desinformação é um problema crescente e sem controle. Por isso, muitos tratam uma distorção da realidade como verdade e formam uma opinião pública e senso comum numa bolha.

5. Manipulação de Emoções: As diversas plataformas e influenciadores utilizam técnicas de persuasão emocional que hipnotizam seus seguidores. Isso pode incluir o uso de imagens emocionais, manchetes sensacionalistas e até mesmo histórias de interesse humanista.

Assim sendo, o público, das redes sociais ou mídia tradicionais, e até leitores de publicações em papel, devem ter cuidado. As pessoas devem conhecer essas táticas e buscar uma variedade de fontes de notícias para obter uma visão diferente de qualquer tema.

OPORTUNIDADES E AMEAÇAS

Decerto, as redes sociais e todas as mídias digitais conseguiram ser fonte de influência para milhões. Desta forma, exercem um poder que os jornais antigamente não possuíam, e as razões são muitas, dentre elas, destacamos:

1. Conexão Global: As redes sociais permitem a conexão com amigos e familiares em qualquer parte do mundo, facilitando a descoberta de interesses comuns.

2. Networking e Oportunidades de Negócios: As plataformas a aplicativos permitem a construção de relações profissionais e oferecem expansão e visibilidade para empresas.

3. Entretenimento: Os canais de comunicação proporcionam uma variedade de conteúdos de lazer e entretenimento, os jornais só tinham palavras-cruzadas.

4. Ativismo: De acordo com as regras de cada plataforma, é possível dar voz a causas sociais coletivas que nunca tiveram espaço.

5. Influência de Compra: Como nem tudo são flores, as redes sociais se transformaram na maior influência de compra do consumidor.

6. Disseminação de Informações: Inquestionavelmente, as redes sociais e a Internet são a maior fonte de informação e meio de comunicação da atualidade.

7. Caráter Aditivo: Com a propensão das redes sociais em promover comportamentos repetitivos, alguns usuários adquirem o nocivo vício do compartilhamento.

Esses fatores, positivos e negativos, dentre outros, contribuem para influenciar significativamente, a vida das pessoas no mundo real.

São ferramentas com altíssimo poder de mobilização e convencimento. Entretanto, a sua utilização de maneira irresponsável, como presenciamos nos últimos anos, nas editorias de política e religião é cruel. Em suma, usar essas plataformas digitais é muito diferente de ler os jornais e formar opinião sobre qualquer assunto. Certamente, os opressores que cooptam parte dos que oprimem, não agem de maneira consciente e ética.

E assim caminha a humanidade ...

"Amanhã tem mais" ...

P. S.

(*) Um pensador acadêmico atua mais com a teoria e frases tentando provar as hipóteses. O método de pensador que vive aquilo que fala é, com toda a certeza, diferente e melhor. Infelizmente, a maioria das pessoas segue a pauta que os déspotas das redes sociais determinam. É impressionante como os jornais, em suas versões modernas, ainda se prestam a papéis deploráveis, assim como o rádio e a TV.

(1) "Entre Sem Bater - Malcolm X - Os Jornais" em https://evandrooliveira.pro.br/wp/2024/03/13/entre-sem-bater-malcolm-x-os-jornais/

(2) "Entre Sem Bater - Steven Pinker - Não se Encaixa" em https://evandrooliveira.pro.br/wp/2024/03/12/entre-sem-bater-steven-pinker-nao-se-encaixa/

(3) "Entre Sem ater - Malcolm X - Alma Mater" em https://evandrooliveira.pro.br/wp/2023/02/07/entre-sem-bater-malcolm-x-alma-mater/

(4) "Entre Sem Bater - Joseph Pulitzer - Imprensa Cínica" em https://evandrooliveira.pro.br/wp/2023/02/23/entre-sem-bater-joseph-pulitzer-imprensa-cinica/