Ao rés-do-chão
O tempo todo as pessoas passam coisas adiante, sejam coisas que para elas são interessantes e por isso buscam compartilhar ou exatamente pelo oposto, por conta da sensação de que “nada mais há para se fazer com aquilo”.
Ter a posse ou a propriedade de algo traz um senso de responsabilidade, mesmo que não tenhamos alguém para de fato prestar contas. Podemos fazer o que quisermos com o que é nosso. Faz parte desse espírito que temos. Ele é impulsivo, instintivo e preza por liberdade.
A narrativa bíblica diz para termos responsabilidade sobre o que é dos outros, para inclusive sermos considerados dignos de ter algo nosso. Pena que não conheciam o conceito de propriedade intelectual e royalties, se surpreenderiam com os avanços do espírito capitalista — apesar de que há quem aponte uma relação direta com a ética protestante, pois quem não “trabalha, não come”.
Além disso, a propriedade é sempre do outro, o arrendatário, e os demais devem lutar pelo seu pão até receberem a parte que lhes cabe — um troco que não poucas vezes se dá pela injustiça. Mas que importa se assim Deus quis?
O que temos é a vida ao rés-do-chão, isso enquanto sobre a terra e em algum tipo de ocupação (geográfica, social, econômica ou política).
Há um projeto que roda o Brasil e se chama “Geladeira de Livros”, apesar de não ser o único e não serem apenas geladeiras, mas espaços onde é possível deixar, trocar ou pegar um livro que seja-lá por qual razão se queira passar adiante.
É interessante ver que tipos de leituras se encontram por lá, por que há de todos os tipos possíveis, apesar de poucos terem anotações e observações dos donos anteriores, pois pelo livro e seu conteúdo até conseguimos especular sobre quem mais estaria interessado nele, mas com as notas em mãos podemos vislumbrar ao menos um fragmento desse misterioso alguém com quem podemos ter algo, um interesse em comum; se está minha consideração se revelar como uma premissa falsa e o fato que levou aquele livro a estar alí pode ter sido um fato qualquer aleatório ou até contrário ao ao que fez alguém pegar aquela obra.
Nos ocupamos de questões a todo momento, questões que ocupam a nossa visão e apenas nós somos capazes de ver. O intrigante mesmo é o fato de termos visto algo que nos chamou atenção e fez mudar de curso. Atraídos pelos olhos, mãos na situação e apenas uma pergunta antes de tomar a fatídica decisão: isso é ou pode ser algo interessante, que faz sentido para mim? Se é busco fazer daquilo algo meu, ainda que temporariamente, se não é caso de deixar para lá ou passar adiante.