A certo passo tudo passa

“Amigo, quer brincar? Venha aqui um instante, eu sou isso e você aquilo (...)”. Fazer de conta é algo universal, é algo humano. Fazemos de conta a brincadeira e o passatempo, os jogos e tudo que é um tipo de simulação ou está aberto à ela.

Fazemos de conta em nossas relações. Veja o caso de duas crianças que sem saber ao certo que mirabolante frase elaborar para conseguir uma resposta positiva simplesmente optam por convidar o outro para o espaço das suas brincadeiras.

Basta um convite para ver no que dá e mesmo diante de recusas é só partir para o próximo. Quando se pára para pensar, já foi. Aliás, não lembro de crianças que ruminam finais de semana uma oportunidade de brincadeira perdida, ainda mais quando já tiveram outra e não se recordam nem dela. Já foi.

Que a vida se faz pelo sim e se refaz pelo não disso já sabemos. O interessante mesmo é o que se dá após. Temos outro exemplo com adolescentes, uma fase na qual também não é lá difícil de se relacionar, talvez de se expressar, mas o fazer de conta está lá como parte dos atributos individuais e, muitas vezes, até das vestimentas.

O adolescente faz de conta buscando ser ou não ser, indecoravelmente contra ou submissivamente a favor do que viu em exemplos próximos. Identifica-se sem mais julgamentos com os que lhe são parecidos — os juízos de valor são apenas para as outras coisas (...). Reconhecimento é a palavra-chave quando tudo o que buscamos é uma referência, um ponto de partida como um assunto em comum para poder conversar. E quando se vê as amizades e os primeiros amores já aconteceram.

A pior parte deve estar então nos desafios da vida adulta, correto? Adivinha. Trabalhar é fazer de conta que uma hierarquia é importante, que qualquer trivialidade requer atenção e que não nos relacionamos por interesse. É um acordo implícito, apesar de que não todas as vezes, sobre os papéis que damos uns aos outros na expectativa de se cumprirem as nossas expectativas. Dá para chamar de circo, teatro, ensaio ou faz de conta, só escolher.

A questão é que num momento lá estamos, no meio duma multidão, fazendo parecer que lá estamos, enquanto na realidade de nossas mentes projetamos o pode-ser das possibilidades diante de nós ou das que foram como se pudessem ser diferentes. Quando novamente nos damos por nós, vimos que muita coisa passou.

A vida simula a brincadeira, assim como a vida adulta a infância. Ainda criamos castelos, mas não de areia, ainda dirigimos carros, mas agora eles possuem motor, ainda brincamos de casinha, mas quando alguém já não quer brincar entra em litígio, ainda lutamos para derrotar o dragão e não sermos engolidos pela miséria.

Gabriel L Amorim
Enviado por Gabriel L Amorim em 12/03/2024
Código do texto: T8018263
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