TENHO DE PENSAR NOS BARBEIROS

- José Torquato de Barros Filho

Não é que uma reportagem sobre uma comunidade que mora numa serra em Alagoas me deu o que pensar melhor, rever. Quando vi o pai de família com uma TV 14 se deslocando de sua residência para junto com sua família, ligar o aparelho na capela no alto da serra, à uns bons quilômetros, o único lugar que tinha energia elétrica por ali, me despertou lembranças, tipo “nunca antes na história deste País” se viu tanta mentira nas propagandas oficiais.

Eu me lembro que era um barbeiro, entre os buracos das paredes de um barraco no sertão brasileiro, liguei minhas antenas e estava para dar uma boa mordida quando captei:

Estava o menino, acocorado à porta do barraco de pau e barro, olhando para o piso de barro, com os pés da cor de barro, e depois para o horizonte de barro e mais barros, poeira a levantar da estrada de barro, e galhos fubentos com barro colado, galhos como dedos de defunto queimado, espetados para o sol inclemente do sertão, estava cansado de ter caminhado desde a madrugada com o pote no carrinho de mão de madeira, para buscar água no poço que um dia foi o leito de um riacho.

O diabo é que passou um caminhão cheio de garotos que tinham vindo de um jogo de futebol, pararam à porta do barraco e seu pai deu água prá todo mundo, gente que ele nunca vira. Teria que ir de novo a mais de seis léguas empurrando o carrinho de rodas tortas.

À noite mesmo a luz do lampião de querosene pregado na parede, os mosquitos não o deixavam em paz, e um calorão daqueles, não dava pra ficar na rede dentro de casa, ia dormir ali mesmo na porta, mesmo porque sabia que nesta noite não havia nada para comer, o resto de macaxeira já era, o feijão só dava pra ir até amanhã e a galinha velha não tava mais botando ovo, teria de matar a galega, depois seria a vez do bodinho, de qualquer maneira eles iam morrer mesmo de sede e fome, não adianta cavacar mais nada, na terra só tinha barro, nem minhoca, só barro e formiga de roça, cabeçuda.

Um tal de vereador esteve certo dia dizendo que se ele mais os cinco irmãos fossem para escola arrumaria dinheiro para a família, uma tal de bolsa para a família e que nesta bolsa tinha dinheiro para comprar comida para passar um mês. Quer coisa hein!!! Negócio de político, só queria que “nós votasse nele” e quando soube que ninguém aqui em casa tem documento, nunca mais apareceu. Outro dia meu pai me disse que o prefeito lá da cidade ia “botar” energia e a gente ia ter uma coisa que gelava e outra que tinha fotos de pessoas falando, tinha até história. Pai pensa que ainda sou criança para acreditar nestas bobagens, daqui a pouco ele vai dizer que a gente pode viajar pelas estrelas. Sei que radinho existe pois o Né filho do “Seu Desmônda” tem uma caixinha que sai músicas lindas e tem gente falando e até jogo de futebol que o cara descreve e eu só queria ter um, não precisa nem de energia, é nas pilhas que ta a energia, mas tudo é muito caro, só o preço das pilhas dava pra gente comprar inhame e batata doce, e o valor do radinho dava pra gente comer um mês inteiro. O cara tem até umas sandálias de borracha colorida e um sapato de pano com borracha que chama de tênis, eu vi a propaganda no radinho do Né, tem muita coisa que não conheço, falam um monte de coisa que existe lá fora. Mas eu estou aqui com uma tremenda impressão que nesta vida e neste lugar, eu fiquei de fora. Praticamente tudo de bom só acontece lá fora, eles têm água, tem energia, radinho e sandálias, e até vão para escolas, tem até carro como seu Mané do Pronto Socorro, ele tem um e conserta os dos outros e eu só o vi uma vez, os caminhões que trazem água já conhecia. Porque será que eles têm tudo, porque será que nós não temos nada, será que minha família fez alguma coisa errada e está sendo castigada?

IH IH IH

Tá na hora de respondermos né?